Quando se pergunta
se os animais têm direitos, como deveremos entender a questão? Dar-lhe uma
resposta afirmativa, importa esclarecer desde já, não implica pensar que todos os
animais das outras espécies conhecidas, incluindo as ostras e as moscas, têm
direitos. Quando alguém declara que os animais têm direitos, normalmente
pretende dizer apenas que, entre os animais não-humanos, alguns têm
direitos. Mas de que direitos estamos a falar?
No contexto do debate em que os
ensaios deste livro se inscrevem, não de direitos legais, mas de direitos
morais. A questão geral em que todos estes ensaios se centram, então, é a de
saber como devemos tratar os animais não-humanos se adoptarmos um ponto de
vista ético, independentemente do que as leis dizem a esse respeito.
A noção de direitos
morais é notavelmente ambígua, pelo que a pergunta “Os animais têm direitos?”,
mesmo depois de clarificada da forma sugerida, admite interpretações muito
diferentes.
No sentido mais
amplo do termo, dizer que um ser tem direitos é apenas afirmar que esse ser tem estatuto
moral. Se um ser tem estatuto moral, não podemos ignorá-lo ou tratá-lo como
nos apetecer. Será eticamente errado tratá-lo de certas
formas, estaremos a violar determinados deveres ou obrigações se
o tratarmos dessas formas — e isso porque esse ser “conta” por si mesmo, tem
uma importância moral que é independente de quaisquer relações que mantenha com
outros seres. É praticamente consensual que as pessoas têm estatuto moral, mas
não pensamos o mesmo de muitos objectos físicos comuns, como as pedras, os
computadores e os livros. Podemos ter o dever de não destruir um certo livro,
por exemplo. Mas não parece que tenhamos esse dever para com o
próprio livro. Se temos esse dever, é porque o livro pertence a alguém que não
deseja vê-lo destruído. O dever que envolve o livro é, na verdade, um dever
para com o seu proprietário. Só este último tem estatuto moral.
No sentido amplo de
“direitos”, qualquer perspectiva ética admite a existência de direitos. As
divergências surgem quando se procura determinar que seres têm direitos. Os
fetos humanos terão estatuto moral? E os seres humanos que ficaram irreversivelmente
inconscientes? Se os animais não-humanos tiverem estatuto moral, teremos de
fazer o mesmo juízo acerca das plantas? Outras questões interessantes dizem
respeito a desigualdades de estatuto moral. No caso dos animais não-humanos,
alguns autores defendem que certos animais (e.g., os grandes símios) têm
um estatuto moral superior ao de outros animais (e.g., os répteis e os
peixes), o que significa que as nossas obrigações para com os primeiros são de
algum modo mais fortes do que aquelas que os segundos nos colocam. Há também
muitos autores que, embora reconheçam estatuto moral a alguns animais
não-humanos, pensam que o estatuto moral dos seres humanos é invariavelmente
mais elevado.
Entendidos num
sentido mais estrito, os direitos são um traço distintivo das perspectivas
éticas de carácter deontológico — não são compatíveis,
portanto, com todas as perspectivas éticas. Quando um deontologista diz que as
pessoas inocentes têm, por exemplo, o direito à vida, está a afirmar que é
errado matar intencionalmente uma pessoa inocente mesmo que isso seja
necessário para produzir um maior bem, como salvar várias pessoas inocentes.
Concebidos deontologicamente, os direitos são assim limites éticos àquilo que
podemos fazer aos outros não só quando perseguimos objectivos pessoais, mas
também quando temos em vista o bem-estar social ou outro fim louvável mais
amplo, como a conservação ambiental ou o alargamento do conhecimento. Para nos
referirmos a esta forma de conceber os direitos, podemos falar de direitos
deontológicos. Estes, note-se, são essencialmente negativos: respeitá-los é não
interferir de certas formas nas vidas dos indivíduos que os possuem. É
por isso que por vezes são comparados a sinais invisíveis de “passagem
proibida”.
Temos então duas
formas de interpretar a perspectiva de que os animais têm direitos, que
correspondem às seguintes teses:
1.
Alguns animais não-humanos têm estatuto moral;
2.
Alguns animais não-humanos têm direitos
deontológicos.
Pode-se aceitar 1
sem aceitar 2, mas não fazer o inverso. A tese 2 é mais forte. Compromete-nos
não com a simples existência de obrigações morais para com os animais, como o
dever de não os maltratar por prazer, mas com a ideia mais precisa de que
algumas dessas obrigações consistem em deveres muito fortes, ou até absolutos,
de não interferir ofensivamente na vida dos animais mesmo quando fazê-lo fosse
muito vantajoso para nós ou para os seres humanos em geral.
Clica para continuar a ler - aqui
Pedro Galvão, "Os animais têm direitos", in Crítica, http://criticanarede.com/animais2.html
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