Suponhamos que, num
futuro não muito distante, deixa de haver oferta de árbitros de futebol. (…)
Para muitos jogos, torna-se impossível descobrir um árbitro neutro. Suponhamos
que foi isto que se passou no jogo entre o Futebol Clube do Porto e o
Benfica e suponhamos também que o único árbitro qualificado a assistir ao
desafio é o presidente do Futebol Clube do Porto.
Compreensivelmente, o Benfica
não aceita a proposta de que seja ele a arbitrar o jogo. Contudo, a Liga de
Futebol sabe que este problema surge de tempos a tempos e, por isso, inventou
um fármaco. Quando tomamos esta substância, a nossa conduta é perfeitamente
normal, com excepção de um aspecto: temos uma perda muito seletiva de memória.
Deixamos de ser capazes de dizer qual o clube de futebol de que somos
presidentes (…). Tendo tomado o fármaco em questão, como iria o presidente do Futebol
Clube do Porto arbitrar o jogo?
A resposta é:
poderia ser imparcial. Sabe que é presidente de um dos dois clubes, mas não
qual. Assim, se escolher favorecer aleatoriamente uma equipa, pode vir a
descobrir que prejudicou o seu próprio clube. Se presumirmos que ele não quer
correr o risco de malograr injustamente as perspectivas do seu clube, só lhe
restará agir tão justamente quanto lhe seja possível e deixar o jogo
desenrolar-se de acordo com as regras. A ignorância gera imparcialidade.
Com isto em mente,
podemos analisar a concepção de Rawls da posição original. As pessoas na
posição original – os contratantes hipotéticos – têm à sua frente um «véu de
ignorância» que não lhes permite aperceberem-se das suas circunstâncias
particulares. Devido a esta ignorância, não sabem como ser parciais a seu favor
e, assim, vêem-se obrigadas a agir imparcialmente.
Wolf, Introdução
à Filosofia Política (adaptado)
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