sábado, 19 de abril de 2014

Véu de Ignorância



Suponhamos que, num futuro não muito distante, deixa de haver oferta de árbitros de futebol. (…) Para muitos jogos, torna-se impossível descobrir um árbitro neutro. Suponhamos que foi isto que se passou no jogo entre o Futebol Clube do Porto e o Benfica e suponhamos também que o único árbitro qualificado a assistir ao desafio é o presidente do Futebol Clube do Porto.
Compreensivelmente, o Benfica não aceita a proposta de que seja ele a arbitrar o jogo. Contudo, a Liga de Futebol sabe que este problema surge de tempos a tempos e, por isso, inventou um fármaco. Quando tomamos esta substância, a nossa conduta é perfeitamente normal, com excepção de um aspecto: temos uma perda muito seletiva de memória. Deixamos de ser capazes de dizer qual o clube de futebol de que somos presidentes (…). Tendo tomado o fármaco em questão, como iria o presidente do Futebol Clube do Porto arbitrar o jogo?
A resposta é: poderia ser imparcial. Sabe que é presidente de um dos dois clubes, mas não qual. Assim, se escolher favorecer aleatoriamente uma equipa, pode vir a descobrir que prejudicou o seu próprio clube. Se presumirmos que ele não quer correr o risco de malograr injustamente as perspectivas do seu clube, só lhe restará agir tão justamente quanto lhe seja possível e deixar o jogo desenrolar-se de acordo com as regras. A ignorância gera imparcialidade.
Com isto em mente, podemos analisar a concepção de Rawls da posição original. As pessoas na posição original – os contratantes hipotéticos – têm à sua frente um «véu de ignorância» que não lhes permite aperceberem-se das suas circunstâncias particulares. Devido a esta ignorância, não sabem como ser parciais a seu favor e, assim, vêem-se obrigadas a agir imparcialmente.


                                                              Wolf, Introdução à Filosofia Política (adaptado)


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