É estranho que
os filósofos tenham argumentado ao longo de milénios sobre o determinismo e o
livre-arbítrio, citando exemplos a favor de uma tese ou de outra sem primeiro
terem tentado explicitar a própria ideia de acção (…).
Devemos notar em
primeiro lugar que uma ação é em princípio intencional (…) Ora se assim é,
devemos dizer que uma ação implica como sua condição necessária o
reconhecimento de algo que se deseja (desideratum), ou seja, o reconhecimento
de uma lacuna objetiva ou de uma negatividade, de algo que falta ou que ainda
não existe. A intenção do imperador Constantino de construir uma cidade cristã
que rivalizasse com Roma ocorreu-lhe ao reconhecer uma lacuna objectiva (…)
faltava uma cidade cristã.
Isto significa
que desde o momento da conceção desse ato, a consciência foi capaz de se
distanciar do mundo do qual tinha consciência, deixando o plano do ser( do que
existe) para se aproximar do plano do não ser (do que ainda não existe).
Daqui resultam
duas importantes consequências:
1- Nenhum
estado de facto seja ele qual for (a estrutura política e económica da
sociedade, estados psicológicos, etc) pode por si mesma determinar e motivar
qualquer ato. Um ato é uma projeção do ser humano em direção ao que não é ainda
e o que é ou existe não pode de modo nenhum determinar por si o que não é.
2 – Nenhum
estado factual pode determinar a consciência a vê-lo como negatividade ou
lacuna.
A realidade
humana é livre porque é perpetuamente arrancada a si mesma (ao seu passado e ao
que é) e porque foi separada do que é ou existe e por um nada (a consciência).
A liberdade é precisamente esse nada que constitui o centro da realidade humana
e que a força a fazer-se a si mesma em vez de simplesmente ser.
Jean-Paul Sartre, L’Être et le Néant
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