Conheci um
homem já idoso que tinha sido oficial na primeira guerra mundial. Disse-me que
um dos seus problemas fora o de conseguir que os seus homens usassem capacete
quando se encontravam em risco de receber fogo inimigo.
O argumento dos
soldados incluía a ideia de todas as balas terem «um número». Se uma bala
tivesse o número de um soldado, não valia a pena tomar precauções, visto que
iria matá-lo. Por outro lado, se nenhuma bala exibisse o seu número, o soldado
estaria a salvo por mais um dia, tornando-se desnecessário usar um incómodo e
desconfortável capacete.
A este
argumento chama-se muitas vezes «sofisma preguiçoso». Se vou ter um cancro,
bem, então tê-lo-ei, afirma o fumador. Não podemos escapar ao nosso destino. Se
é verdade o que afirma o determinismo, não estará o futuro já estabelecido de
uma vez por todas, em virtude da cadeia indefinida de estados em que o mundo se
encontrou no passado? Estes estados dão origem ao futuro e o futuro
desenrola-se inevitavelmente a partir do ventre do passado. Mas, se o futuro se
encontra estabelecido, que outra coisa nos resta excepto resignarmo-nos com os
nossos destinos? Não se dará o caso de as nossas acções se tomarem
irrelevantes? Não seria preferível retirarmo-nos e, por exemplo, passar os dias
sentados num tapete cor de laranja a entoar «Om»?
Há muitas
histórias que sublinham que não podemos evitar o nosso destino. Eis uma versão
de uma famosa parábola islâmica sobre a Morte em Samarcanda:
O discípulo de
um sufi de Bagdade estava um dia sentado numa estalagem quando ouviu duas
figuras conversarem. Compreendeu que uma delas era o Anjo da Morte.
— Tenho várias
visitas a fazer nesta cidade — disse o Anjo ao seu companheiro.
Aterrorizado,
o discípulo escondeu-se até que ambos finalmente se afastaram. Para escapar à
morte, aparelhou o mais rápido cavalo que encontrou e cavalgou dia e noite até
Samarcanda, uma distante cidade do deserto.
Entretanto, a
Morte encontrou o seu mestre, com quem conversou sobre diversos assuntos. «Onde
está o teu discípulo?», perguntou a Morte.
— Suponho que
está em casa a estudar, como é o seu dever — disse o sufi.
— É estranho —
disse a Morte. Tenho-o na minha lista e vou amanhã visitá-lo a Samarcanda.
O discípulo
tenta escapar ao destino, mas, apesar disso, o destino acaba por lhe bater à
porta. A história deste fútil combate ressoa um pouco por toda a parte. Na
tragédia Édipo Rei, de Sófocles, dizem ao rei Laio de Tebas que o seu filho
será o assassino do pai e que casará com a mãe. Quando teve um filho, Laio
tentou evitar a terrível profecia mutilando-o ainda bebé e deixando-o a morrer
numa encosta. Édipo foi salvo por um pastor e cresceu em Corinto, pensando ser
o filho do rei desta cidade. Quando lhe chegaram rumores do seu destino,
consultou o oráculo de Delfos e obteve a confirmação. Afastou-se de Corinto,
onde supunha que o pai se encontrava. Em seguida, num descampado onde se
cruzavam três estradas, deparou-se-lhe Laio . . . E nesta dupla tentativa para
contrariar o destino que a tragédia se revela.
Os soldados
que o meu amigo comandava pensavam que tomar precauções era tão inútil como o
combate de Édipo para fugir ao seu trágico destino. Mas há aqui uma diferença
crucial. Por hipótese, Édipo conhecia o seu destino, embora pretendesse
evitá-lo. Em contrapartida, os soldados ignoravam se iriam ou não morrer nesse
dia. Isto deixa em aberto uma resposta: que uma bala tenha o seu número poderia
muito bem depender de se escolher usar um capacete. Uma bala que, de outro
modo, teria esse número talvez se mantivesse sem qualquer inscrição no caso de
esta simples precaução ser adoptada. Como os soldados ignoravam se alguma das
balas tinha ou não o seu número, associado ao facto de preferirem que tal não
sucedesse, seria razoável que tomassem as precauções recomendadas.
Nada fazer —
estender um tapete cor de laranja e recitar «Om» em vez de colocar o capacete —
é ainda uma escolha. Que os nossos módulos de decisão sejam programados pelo
sofisma preguiçoso é estar disponível para este género de opção. O sofisma
preguiçoso pode ser apresentado como o seguinte argumento acerca do curso das
acções:
O futuro será
o que será. Todos os acontecimentos se encontram já inscritos na origem do
tempo.
Logo, nada
faças.
Blackburn, Pense
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