Van Gogh
No início da década de 1980, Robert
Axelrod, sociólogo americano, fez uma descoberta notável acerca da natureza da
cooperação. A verdadeira importância do resultado de Axelrod ainda não foi
devidamente valorizada fora de um grupo restrito de especialistas. Encerra a
potencialidade de alterar não apenas as nossas vidas pessoais, como também o
mundo da política internacional.
Para
compreendermos o que Axelrod descobriu, precisamos primeiro de saber algo sobre
o problema que o interessou — um bem conhecido quebra-cabeças sobre cooperação
chamado Dilema do Prisioneiro. O nome vem da forma como o quebra-cabeças é
geralmente apresentado: uma escolha imaginária que se apresenta a um
prisioneiro. Há muitas versões. Eis a minha:
O leitor e outro prisioneiro jazem em celas
separadas da Esquadra Principal da Polícia da Ruritânia. Os agentes tentam fazer-vos
confessar ter conspirado contra o estado. Um interrogador vem até à sua cela,
serve um copo de vinho da Ruritânia, dá-lhe um cigarro e, num tom de amizade
sedutora, propõe-lhe um acordo.
— Confesse o crime! — exorta ele. — E se o
seu amigo na outra cela…
O leitor protesta, alegando nunca ter visto
antes o prisioneiro que se encontra na outra cela, mas o interrogador ignora a
objecção e prossegue:
— Ainda melhor, então, se ele não é seu
amigo; pois, como eu estava a dizer, se o senhor confessar, e ele não, usaremos
a sua confissão para o engaiolar a ele dez anos. A sua recompensa será a
liberdade. Por outro lado, se for estúpido ao ponto de se recusar a confessar,
e o seu "amigo" na outra cela confessar, será o senhor a ir para a
prisão dez anos, e ele será libertado.
O leitor pensa nisto durante algum tempo e
percebe que não tem informação suficiente para decidir, por isso pergunta:
— E se confessarmos ambos?
— Então, e uma vez que não precisamos
realmente da sua confissão, não sairá em liberdade. Mas, tendo em conta que
estavam a tentar ajudar-nos, passarão os dois oito anos na cadeia.
— E se nenhum de nós confessar?
Uma expressão de desdém perpassa o rosto do
interrogador e o leitor receia que ele esteja prestes a golpeá-lo. Mas o homem
controla-se e rosna que, então, uma vez que não terão provas para a condenação,
não poderão manter-vos lá dentro muito tempo. Mas acrescenta:
— Não desistimos facilmente. Ainda podemos
manter-nos aqui seis meses, a interrogar-vos, antes de os sacanas da Amnistia
Internacional conseguirem pressionar o governo para vos tirar daqui. Portanto,
pense no assunto: quer o seu colega confesse, quer não, o senhor ficará melhor
se confessar do que se não o fizer. E o meu colega vai dizer a mesma coisa ao
outro tipo, agora mesmo.
O leitor reflecte no que ele disse e
compreende que o guarda tem razão. Faça o que fizer o estranho na outra cela, o
leitor ficará melhor se confessar. Se ele confessar, a sua escolha é entre
confessar também, e apanhar oito anos de prisão, ou não confessar, e passar dez
anos atrás das grades. Por outro lado, se o outro prisioneiro não confessar, a
sua escolha é entre confessar, e sair livre, ou não confessar, e passar seis
meses na cela. Portanto, parece que o melhor a fazer é confessar. Mas, então,
ocorre-lhe outro pensamento. O outro prisioneiro está exactamente na mesma
situação. Se, para si, é racional confessar, também será racional para ele
confessar. Assim, passarão ambos oito anos na cadeia. Por outro lado, se
ninguém confessar, ambos ficarão livres dentro de seis meses. Como pode ser que
a escolha que parece racional, para cada um dos dois, individualmente — ou
seja, confessar — vos prejudique mais a ambos do que se decidirem não
confessar? O que deve fazer?
Não há
solução para o Dilema do Prisioneiro. De um ponto de vista puramente do
interesse próprio (aquele que não toma em consideração os interesses do outro
prisioneiro), é racional, para cada prisioneiro,
confessar — e se cada um fizer o que é racional do ponto de vista do interesse
próprio, ficarão ambos pior do que ficariam se tivessem escolhido de outro
modo. O dilema prova que quando cada um de nós, individualmente, escolhe aquilo
que é do seu interesse próprio, pode ficar pior do que ficaria se tivesse sido
feita uma escolha que fosse do interesse colectivo.
Peter Singer, Como Havemos de Viver?
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