Ana deu-nos uma
formulação clara de um ponto de vista acerca da moral que muitas pessoas
consideram atrativa. Refletiu bastante acerca da moral e isto permite-nos
aprender com ela. Contudo, estou convencido de que a sua perspetiva básica
neste domínio está errada. Suponho que Ana acabará por concordar à medida que
as suas ideias ficarem mais claras.
Deixem-me indicar o
principal problema. RC força-nos a conformar-nos com as normas sociais — ou
contradizemo-nos. Se "bem" e "socialmente aprovado"
significam a mesma coisa, seja o que for ao qual o primeiro termo se aplique
também o segundo lhe é aplicável.
Assim, o seguinte
raciocínio seria válido:
Isto e aquilo são
socialmente aprovados. Logo, isto e aquilo são bens.
Se o relativismo
cultural fosse verdadeiro, não poderíamos consistentemente discordar dos
valores da nossa sociedade. Mas este resultado é absurdo. Claro que é possível
consistentemente discordar dos valores da nossa sociedade. Podemos afirmar
consistentemente que algo é socialmente aprovado e negar que seja um
"bem". Isto não é possível se o RC for verdadeiro.
Ana poderia aceitar
esta consequência implausível e dizer que é contraditório
discordar moralmente da maioria. Mas esta seria uma consequência especialmente
difícil de ser aceite. Ana teria de aceitar que os defensores dos direitos
civis estariam a contradizer-se ao discordarem da perspectiva aceite pelos
segregacionistas. E teria de aceitar a perspectiva da maioria em todas as
questões morais — mesmo que perceba que a maioria é ignorante.
Suponha que Ana
tinha aprendido que a maioria das pessoas da sua cultura aprovam a intolerância
e também a ideia de ridicularizar pessoas de outras culturas. Teria ainda assim
de concluir que a intolerância é um bem (apesar de esta atitude contrariar as
suas próprias intuições).
A intolerância é
socialmente aprovada. Logo, a intolerância é um bem.
Ana teria que
aceitar a conclusão (aceitar que a intolerância é boa) ou rejeitar o relativismo
cultural. Se quiser ser consistente é necessário modificar pelo menos uma
destas perspectivas.
Eis uma dificuldade
ainda mais grave. Imaginemos que Ana encontrava alguém chamada Rita Rebelde,
oriunda de um país Nazi. Na terra natal de Rita, os judeus e os críticos do
governo são colocados em campos de concentração. Sucede que a maioria das
pessoas, mal informadas sobre o que se passa, aprovam esta política. Rita é uma
dissidente. Defende que esta política, apesar do apoio da maioria das pessoas, está
errada. Se Ana quisesse aplicar o RC a esta situação particular teria que dizer
a Rita algo do género:
Rita, a palavra
"bem" refere-se ao que é aprovado pela tua cultura. Como essa cultura
aprova o racismo e a opressão, deves aceitar esta atitude como um bem. Não
podes pensar diferentemente. A perspetiva minoritária está sempre errada — o "bem"
é, por definição, aquilo que socialmente é aprovado.
A perspectiva do RC
é intolerante para com as minorias (que automaticamente estão erradas) e
forçaria Rita a aceitar o racismo e a opressão como sendo bons. Isto decorre da
definição de "bem" como algo "socialmente aprovado". Ao
compreendê-lo, talvez abandone o RC.
O racismo é um bom
teste para a ética. Uma perspectiva ética satisfatória deve fornecer-nos os
meios para combater actos racistas. O RC falha neste aspecto, dado estar
comprometido com a tese segundo a qual as acções racialmente motivadas são boas
numa dada sociedade se essa sociedade as aprova. Se Rita seguisse o RC, teria
que concordar com a atitude racista da maioria, ainda que as pessoas estivessem
mal informadas ou fossem ignorantes. O relativismo cultural parece bastante
insatisfatório neste ponto.
A educação moral é
também um bom teste ético. Se aceitassemos o RC, como educaríamos os nossos
filhos em questões de ordem moral? Ensinar-lhes-íamos que pensassem e agissem
de acordo com as normas da sua sociedade, qualquer que esta fosse. Estaríamos a
ensiná-los a serem conformistas. Ensinar-lhes-íamos, por exemplo, que os
seguintes raciocínios são correctos:
"A minha
sociedade aprova A; logo, A é bom."
"O meu grupo
aprova que nos embebedemos às sextas-feiras à noite e conduzamos no regresso a
casa; logo, esta é uma boa atitude."
"A minha
sociedade é Nazi e aprova o racismo; logo, o racismo é um bem."
Aceitar o RC
priva-nos de exercer qualquer sentido crítico acerca das normas da nossa
sociedade. Estas normas não podem estar erradas — ainda que resultem da
estupidez e da ignorância.
Do mesmo modo, as
normas de outras sociedades (mesmo as da terra natal de Rita) não podem estar
erradas ou serem criticadas. O RC contraria o espírito crítico que é próprio da
filosofia.
Harry Gensler, Ethics: A contemporary introduction
in http://criticanarede.com/fil_relatcultural.html
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