Edward Hopper
Em 1924, dois
adolescentes de Chicago, Richard Loeb e Nathan Leopold, raptaram e assassinaram
um rapaz chamado Bobby Franks apenas para provar que conseguiam fazê-lo. O
crime impressionou o público. Apesar da brutalidade do seu acto, Leopold e Loeb
não pareciam especialmente perversos. Provinham de famílias ricas e eram ambos
estudantes excelentes. Aos dezoito anos, Leopold era o licenciado mais jovem na
história da Universidade de Chicago, e, aos dezanove anos, Loeb era a pessoa
mais nova que se tinha licenciado na Universidade de Michigan. Leopold estava
prestes a entrar na Escola de Direito de Harvard. Como era possível que
tivessem cometido um assassinato absurdo? O seu julgamento iria receber o mesmo
tipo de atenção que o de O. J. Simpson, setenta anos mais tarde.
Os seus pais
contrataram Clarence Darrow, o advogado mais famoso da altura, para os
defender. Darrow era conhecido como o paladino das causas impopulares — tinha
defendido sindicalistas, comunistas e um negro acusado de ter morto um membro
de uma turba racista. Três anos depois, no seu caso mais famoso, defendeu John
Scopes, do Tennessee, da acusação de ter ensinado a evolução numa aula do
ensino secundário. Darrow era também o adversário da pena de morte mais
conhecido no país. Em 1902, tendo sido convidado pelo director da Prisão de
Cook County para dar uma conferência aos presidiários, disse-lhes o seguinte:
Na verdade, não
acredito minimamente no crime. No sentido habitual da palavra, não existem
crimes. Não acredito em qualquer distinção entre as verdadeiras condições
morais das pessoas que estão dentro e das que estão fora da prisão. São iguais.
Do mesmo modo que as pessoas que estão aqui dentro não poderiam ter evitado
estar aqui, as pessoas que estão lá fora também não poderiam ter evitado estar
lá fora. Não acredito que as pessoas estejam na prisão porque o mereçam. Estão
na prisão apenas porque não puderam evitá-lo, devido a circunstâncias que
ultrapassam inteiramente o seu controlo e pelas quais não são minimamente
responsáveis.
Estas ideias iriam figurar
proeminentemente na defesa de Leopold e Loeb.
O público queria
sangue. Quando o julgamento começou, o Chicago Evening Standard saiu
com esta manchete:
DARROW PEDE
MISERICÓRDIA: MULTIDÕES AMOTINAM-SE
GUARDA DOS PRISIONEIROS COM BRAÇO PARTIDO E MULHER DESMAIA POR ESTAR FORA DE SI
MULTIDÃO ENFURECE-SE COM OS GUARDAS; JUIZ CHAMA 20 POLÍCIAS
RECEIA-SE QUE ALGUNS SEJAM MORTOS
Leopold e Loeb
tinham já admitido a sua culpa, pelo que o trabalho de Darrow era apenas
mantê-los longe da forca. Não haveria um júri. O juiz escutaria os argumentos
dos advogados e decidiria depois se os réus seriam enforcados.
Darrow falou durante
mais de doze horas. Não sustentou que os rapazes eram loucos. Ainda assim,
disse, não eram responsáveis pelo que tinham feito. Darrow apelou a uma nova
ideia que os psicólogos tinham proposto, nomeadamente que o carácter humano é
moldado pelos genes do indivíduo e pelo ambiente. Disse ao juiz: "As
pessoas inteligentes sabem agora que todo o ser humano é o produto de uma
hereditariedade infindável que o precede e de um ambiente infinito que o
rodeia".
Não sei o que levou
estes rapazes a realizar esse acto louco, mas sei que houve uma razão para que
o tenham realizado. Sei que não o produziram por si. Sei que qualquer uma de um
número infindável de causas que remontam ao começo pode ter actuado na mente
destes rapazes — que vos pedem para enforcar por malícia, ódio e injustiça —
porque, no passado, alguém pecou contra eles.
Os psiquiatras
tinham atestado que os rapazes não tinham sentimentos normais, pois não
mostravam qualquer reacção emocional ao seu acto. Darrow tirou partido disto:
Deveremos censurar
Dickie Loeb por causa das forças infinitas que conspiraram para o formar, das
forças infinitas que actuaram na sua criação muito antes de ele ter nascido,
sabendo que, por causa dessas combinações infinitas, ele nasceu sem [o tipo
correcto de emoções]? Se devemos, então tem de haver uma nova definição de
justiça. Deveremos censurá-lo pelo que não teve e nunca teve?
Darrow descreve Loeb
como alguém que, na infância, esteve privado do afecto de que um rapaz precisa,
tendo passado os dias a estudar e as noites a ler secretamente histórias de
crimes enquanto fantasiava cometer o crime perfeito e enganar a polícia. Quanto
a Leopold, ele era fraco e não tinha amigos. Cresceu obcecado com a filosofia
do "super-homem" de Nietzsche, desprezando as outras pessoas e
querendo desesperadamente provar a sua superioridade. Depois os dois rapazes
conhecerem-se e, juntos, cometeram um crime que nenhum deles poderia ter
cometido sozinho. Porém, estavam apenas a jogar com a mão que a natureza lhes
dera. "A natureza é forte e impiedosa", concluiu Darrow.
"Trabalha de uma forma misteriosa que lhe é própria e nós somos as suas
vítimas. Nós próprios não temos muito a ver com ela."
O juiz deliberou
durante um mês e depois condenou Leopold e Loeb a prisão perpétua. Doze anos
mais tarde, Richard Loeb, que fora o instigador do crime, foi morto numa
contenda com outro prisioneiro. Nathan Leopold passou trinta e quatro anos na
prisão, durante os quais deu aulas a outros prisioneiros, ofereceu-se como
cobaia para experiências médicas com a malária, dirigiu a biblioteca da prisão
e trabalhou no hospital da prisão. Depois de ficar em liberdade condicional,
foi viver para Porto Rico, onde continuou a esforçar-se até ao fim da vida por
se "tornar novamente um ser humano", sobretudo através de trabalhos
que implicavam ajudar os outros. Morreu em 1971.
J. Rachels, Problemas de Filosofia
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