sábado, 30 de novembro de 2013

Fatalismo




Conheci um homem já idoso que tinha sido oficial na primeira guerra mundial. Disse-me que um dos seus problemas fora o de conseguir que os seus homens usassem capacete quando se encontravam em risco de receber fogo inimigo. O argumento dos soldados incluía a ideia de todas as balas terem «um número». Se uma bala tivesse o número de um soldado, não valia a pena tomar precauções, visto que iria matá-lo. Por outro lado, se nenhuma bala exibisse o seu número, o soldado estaria a salvo por mais um dia, tornando-se desnecessário usar um incómodo e desconfortável capacete.

A este argumento chama-se muitas vezes «sofisma preguiçoso». Se vou ter um cancro, bem, então tê-lo-ei, afirma o fumador. Não podemos escapar ao nosso destino. Se é verdade o que afirma o determinismo, não estará o futuro já estabelecido de uma vez por todas, em virtude da cadeia indefinida de estados em que o mundo se encontrou no passado? Estes estados dão origem ao futuro e o futuro desenrola-se inevitavelmente a partir do ventre do passado. Mas, se o futuro se encontra estabelecido, que outra coisa nos resta excepto resignarmo-nos com os nossos destinos? Não se dará o caso de as nossas acções se tomarem irrelevantes? Não seria preferível retirarmo-nos e, por exemplo, passar os dias sentados num tapete cor de laranja a entoar «Om»?
Há muitas histórias que sublinham que não podemos evitar o nosso destino. Eis uma versão de uma famosa parábola islâmica sobre a Morte em Samarcanda:

O discípulo de um sufi de Bagdade estava um dia sentado numa estalagem quando ouviu duas figuras conversarem. Compreendeu que uma delas era o Anjo da Morte.
— Tenho várias visitas a fazer nesta cidade — disse o Anjo ao seu companheiro.
Aterrorizado, o discípulo escondeu-se até que ambos finalmente se afastaram. Para escapar à morte, aparelhou o mais rápido cavalo que encontrou e cavalgou dia e noite até Samarcanda, uma distante cidade do deserto.
Entretanto, a Morte encontrou o seu mestre, com quem conversou sobre diversos assuntos. «Onde está o teu discípulo?», perguntou a Morte.
— Suponho que está em casa a estudar, como é o seu dever — disse o sufi.
— É estranho — disse a Morte. Tenho-o na minha lista e vou amanhã visitá-lo a Samarcanda.

O discípulo tenta escapar ao destino, mas, apesar disso, o destino acaba por lhe bater à porta. A história deste fútil combate ressoa um pouco por toda a parte. Na tragédia Édipo Rei, de Sófocles, dizem ao rei Laio de Tebas que o seu filho será o assassino do pai e que casará com a mãe. Quando teve um filho, Laio tentou evitar a terrível profecia mutilando-o ainda bebé e deixando-o a morrer numa encosta. Édipo foi salvo por um pastor e cresceu em Corinto, pensando ser o filho do rei desta cidade. Quando lhe chegaram rumores do seu destino, consultou o oráculo de Delfos e obteve a confirmação. Afastou-se de Corinto, onde supunha que o pai se encontrava. Em seguida, num descampado onde se cruzavam três estradas, deparou-se-lhe Laio . . . E nesta dupla tentativa para contrariar o destino que a tragédia se revela.
Os soldados que o meu amigo comandava pensavam que tomar precauções era tão inútil como o combate de Édipo para fugir ao seu trágico destino. Mas há aqui uma diferença crucial. Por hipótese, Édipo conhecia o seu destino, embora pretendesse evitá-lo. Em contrapartida, os soldados ignoravam se iriam ou não morrer nesse dia. Isto deixa em aberto uma resposta: que uma bala tenha o seu número poderia muito bem depender de se escolher usar um capacete. Uma bala que, de outro modo, teria esse número talvez se mantivesse sem qualquer inscrição no caso de esta simples precaução ser adoptada. Como os soldados ignoravam se alguma das balas tinha ou não o seu número, associado ao facto de preferirem que tal não sucedesse, seria razoável que tomassem as precauções recomendadas.
Nada fazer — estender um tapete cor de laranja e recitar «Om» em vez de colocar o capacete — é ainda uma escolha. Que os nossos módulos de decisão sejam programados pelo sofisma preguiçoso é estar disponível para este género de opção. O sofisma preguiçoso pode ser apresentado como o seguinte argumento acerca do curso das acções:

O futuro será o que será. Todos os acontecimentos se encontram já inscritos na origem do tempo.

Logo, nada faças.
                                                                                                                                 Blackburn, Pense


                      

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