Título: Ética com Razões
Autor: Pedro Galvão
Editora: Fundação Francisco Manuel dos Santos
Dificuldades de cálculo
Apesar dos princípios
utilitaristas parecerem apelativos, há muitas dificuldades que se levantam
quando tentamos coloca-los em prática.
É extremamente difícil medir a
felicidade de pessoas diferentes. Quem decidirá se o enorme prazer do sádico
ultrapassa ou não o sofrimento da sua vítima? Ou como se compara o prazer que
um entusiasta de futebol tem quando a sua equipa marca um golo brilhante com
as deleitosas vibrações de um devoto da ópera que ouve uma ária favorita? E
como se comparam estes tipos de prazer com sensações de caráter mais físico,
tais como as que se obtêm com o sexo e a alimentação?
Casos problemáticos
Outra objeção ao utilitarismo defende que este pode justificar
muitas ações que habitualmente são consideradas imorais. Por exemplo, se
pudesse mostrar-se que enforcar publicamente um inocente teria o efeito
benéfico direto de reduzir os crimes violentos, por atuar como um fator de
dissuasão, causando assim, no cômputo geral, mais prazer que dor, então o
utilitarista seria obrigado a dizer que enforcar o inocente era a coisa
moralmente correta a fazer (...).
Nigel Warburton, Elementos Básicos de Filosofia |
Esta objeção foi formulada pelo
filósofo Robert Nozick. Imagina que tens à tua disposição um computador capaz
de te fornecer todas as experiências que mais desejas. Passarás a ser uma
pessoa absolutamente feliz e não alguém que ora sente alegria e entusiasmo
pela vida, ora tristeza e tédio. A tua felicidade não terá interrupções. Mas
tens de escolher entre ligar-te à máquina de experiências ou prosseguir a
vida que já tens. Lembra-te que, se o fizeres, poderás viver a ilusão de
seres, por exemplo, um ídolo pop, um revolucionário que transforma o mundo
num lugar perfeito ou até um jogador de futebol milionário, informado e com
gosto. Qual é a tua escolha?
Se o utilitarismo de Mill for
verdadeiro, a escolha certa é estabelecer a ligação à máquina. Mas muito
provavelmente não vais ser capaz de esquecer o valor que tem o facto de
viveres uma vida real e dar o salto para a doce ilusão. Parece claro que
fazer certas coisas tem valor para além do sentimento de felicidade que
produz em ti. Não queres perder a autonomia e a realidade de fazer as coisas.
Isto é eticamente crucial e está acima da felicidade.
Faustino Vaz, A máquina de experiências in crítica
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1.
Exigências
excessivas
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Dificuldades de cálculo
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Consequências moralmente indesejáveis
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Os defensores da
utilidade são frequentemente chamados a responder a objeções como esta – que
antes da ação, não há tempo para calcular e pesar os efeitos de qualquer
linha de conduta na felicidade geral. Isto é exatamente como se alguém
dissesse que é impossível guiar a nossa conduta pelo cristianismo, já que,
sempre que tenha de se fazer alguma coisa, não há tempo para ler todo o
antigo testamento.
A resposta a esta objeção é que
tem havido muito tempo, nomeadamente todo o passado da espécie humana. Ao
longo de todo este tempo, a humanidade tem vindo a descobrir tendências das
ações através da experiência, dependendo dessa experiência toda a prudência,
bem como toda a moralidade da vida. As pessoas falam como se o começo deste
curso de experiência tivesse sido posto de parte até aqui, e como se, no
momento em que um homem se sente tentado a intrometer-se na propriedade ou na
vida de outro, tivesse de começar a considerar pela primeira vez se o
assassínio ou o roubo são prejudiciais para a felicidade humana. (…) É
estranho pensar que um primeiro princípio é inconsistente com a aplicação de
princípios secundários. Informar um viajante sobre o lugar do seu destino
último não é proibir o uso de pontos de referência e de sinais pelo caminho.
A proposição de que a felicidade é o fim e o objetivo da moralidade não
significa que não se possa construir qualquer estrada para atingir esse
objetivo, ou que as pessoas que seguem para lá não devam ser aconselhadas a
seguir uma direção em vez de outra. (…) seja qual for o princípio
que adotemos como princípio fundamental da moralidade, precisamos de
princípios subordinados através dos quais possamos aplicá-los; a
impossibilidade de passarmos sem eles, sendo comum a todos os sistemas,
não pode proporcionar qualquer argumento contra um em particular
(…)
Stuart
Mill, Utilitarismo
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Princípios
secundários:
Ex. Não devemos maltratar inocentes.
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