domingo, 28 de outubro de 2012

Conceito de ação




Todos nós distinguimos intuitivamente entre as coisas que fazemos e aquelas que nos acontecem. Nas coisas que fazemos há uma certa causalidade ou iniciativa que parte de nós. Naquelas que nos acontecem limitamo-nos a ser receptores de efeitos que nós não iniciámos.(…)

                                                                                                    E. Anscombe

O acontecimento é algo que ocorre,  situado no  espaço e no tempo. Uma trovoada é um acontecimento.

As ações são acontecimentos, mas nem todos os acontecimentos são ações.

Para que uma acontecimento seja uma ação, é preciso que envolva um agente.  

Mas nem todos os acontecimentos que envolvem agentes são ações. Alguém que cai não realiza uma ação.

As ações são acontecimentos que consistem em algo que o sujeito faz.  

Mas nem tudo o que um sujeito faz é uma ação. Alguém que respira não realiza uma ação.

As ações consistem em algo que o sujeito faz intencionalmente (o que supõe que seja um ato consciente e voluntário).


sábado, 27 de outubro de 2012

A atividade crítica da filosofia




“ O que significa especificamente, dizer que a filosofia faz a 'crítica das nossas crenças'? Para começar admitamos que a maior parte das nossas crenças sobre questões vitais como a religião e a moralidade são manifestamente acríticas. Faz uma pausa para avaliar as tuas crenças sobre estas questões, perguntando-te por que razão vieste a ter as crenças que tens. Na maior parte dos casos, podemos afirmar com segurança, irás descobrir que 'não vieste a ter' tais crenças como resultado de uma reflexão prolongada e séria sobre elas. Pelo contrário, aceitaste-as com base em alguma autoridade, isto é, um indivíduo qualquer, ou instituição, que te transmitiu essas crenças. A autoridade pode ser os teus pais, professores, Igreja ou amigos. Muitas das nossas crenças são impostas pelo que chamamos vagamente 'sociedade' ou 'opinião pública'. Estas autoridades, regra geral, não te impõem as suas convicções. Ao invés, absorveste essas crenças a partir do 'clima de opinião' no qual te desenvolveste. Assim, a maior a maior parte das tuas crenças sobre questões como a existência de Deus ou sobre se por vezes é correcto mentir são artigos intelectuais em 'segunda mão'.

Mas isto não significa, claro, que essas crenças sejam necessariamente falsas ou que não sejam sólidas. Podem perfeitamente ser sólidas. Os artigos em 'segunda mão' por vezes são muito bons. O que está em causa, contudo, é isto: uma crença não é verdadeira simplesmente porque uma autoridade qualquer diz que o é. Supõe que, perante uma certa crença, eu te perguntava: 'como sabes que isso é verdade?' Certamente que não seria satisfatório responder 'Porque os meus pais (professores, amigos) me disseram'. Isto, em si, não garante a verdade da crença, porque tais autoridades se enganaram muitas vezes. Verificou-se que muitas das crenças sobre medicina dos nossos antepassados, que eles transmitiram às gerações posteriores, eram falsas. (...)

E aqui que entra a actividade crítica da Filosofia.

A filosofia recusa-se a aceitar qualquer crença que as provas experimentais e o raciocínio não mostrem que é verdadeira. Uma crença que não possa ser estabelecida por este meio não é digna da nossa fidelidade intelectual e é habitualmente um guia incerto da acção. A Filosofia dedica-se, portanto, ao exame minucioso das crenças que aceitámos acriticamente de várias autoridades. Temos de nos libertar dos preconceitos e emoções que muitas vezes obscurecem as nossas crenças. A Filosofia não permitirá que crença alguma passe a inspecção só porque tem sido venerada pela tradição ou porque as pessoas acham que é emocionalmente compensador aceitar essa crença. A filosofia não aceitará uma crença só porque se pensa que é ‘simples senso-comum’ ou porque foi proclamada por homens sábios. A filosofia tenta nada tomar como garantido e nada aceitar por fé. Dedica-se à investigação persistente e de espírito aberto, para descobrir se as nossas crenças são justificadas, e até que ponto o são. Deste modo, a filosofia impede de nos afundarmos na complacência mental e no dogmatismo em que todos os seres humanos têm tendência para cair.”

Jerome Stolnitz, Estética e Filosofia da Crítica de Arte

Validade e verdade



Um argumento é válido se tiver a seguinte propriedade: se as premissas forem verdadeiras, a conclusão será verdadeira. Por que razão estamos especialmente interessados na validade? Acontece que a validade é uma propriedade particularmente agradável para um argumento. Pois se o leitor raciocinar validamente (isto é, se o seu raciocínio puder ser representado por um argumento válido) e se partir de premissas verdadeiras, nunca será conduzido ao erro. E se conseguir que alguém aceite as suas premissas como verdadeiras, essa pessoa tem de aceitar como verdadeiro seja o que for que se siga validamente dessas premissas. Os filósofos são entusiastas dos argumentos válidos. Procuram e conseguem que concordemos com algumas pequenas premissas inocentes, oferecendo depois o que pretendem ser argumentos válidos que têm todo o tipo de conclusões surpreendentes e grandiosas. Nas Meditações, Descartes começa por uma premissa inócua – Penso – e conclui: Deus existe. Claro que temos tendência para pensar que ele se apoiou implicitamente em mais algumas premissas que foram suprimidas, com as quais podemos discordar, ou que cometeu um erro no seu argumento. Mas se as premissas fossem verdadeiras e o raciocínio válido, a sua conclusão de que Deus existe seria verdadeira. E se nós aceitássemos as suas premissas e o seu argumento, estaríamos obrigados a aceitar a sua conclusão. (…) Exprimimos isto afirmando que os argumentos válidos preservam a verdade. Se começar com verdades e raciocinar validamente aquilo a que chegar será verdade. O facto dos argumentos válidos preservarem a verdade torna-os atraentes.
              Newton-Smith, Lógica, Um Curso Introdutório

  1. O que é um argumento válido?
  2. O que quer dizer: "Os agumentos válidos preservam a verdade"?

Validade e verdade



As partes relevantes de um argumento são, em primeiro lugar, as suas premissas. As premissas são o ponto de partida, ou o que se aceita ou presume, no que respeita ao argumento. Um argumento pode ter uma ou várias premissas. A partir das premissas, os argumentos derivam uma conclusão. Se estamos a refletir sobre um argumento, talvez por termos relutância em aceitar a sua conclusão, temos duas opções. Em primeiro lugar, podemos rejeitar uma ou mais das suas premissas. Em segundo lugar, podemos também rejeitar o modo como a conclusão é extraída das premissas. A primeira reação é que uma das premissas não é verdadeira. A segunda é que o raciocínio não é válido. É claro que o mesmo argumento pode estar sujeito a ambas as críticas: as premissas não são verdadeiras e o raciocínio aplicado é inválido. Mas as duas críticas são distintas (e as duas expressões, «não é verdadeira» e «não é válido», marcam bem a diferença.
                                                                                   BLACKBURN, Dicionário de Filosofia

Distingue validade de verdade


Sobre este assunto

sábado, 20 de outubro de 2012

A ação humana




Vou contar-te um caso dramático. Já ouviste falar das térmitas, essas formigas brancas que, em África, constroem formigueiros impressionantes, com vários metros de altura e duros como pedras? Uma vez que o corpo das térmitas é mole, por não ter a couraça de quitina que protege outros insectos, o formigueiro serve-lhes de carapaça colectiva contra certas formigas inimigas, mais bem armadas do que elas. Mas por vezes um dos formigueiros é derrubado, por causa de uma cheia ou de um elefante (os elefantes, que havemos nós de fazer, gostam de coçar os flancos nas termiteiras). A seguir, as térmitas-operário começam a trabalhar para reconstruir a fortaleza afectada, e fazem-no com toda a pressa. Entretanto, já as grandes formigas inimigas se lançam ao assalto. As térmitas-soldado saem em defesa da sua tribo e tentam deter as inimigas. Como nem no tamanho nem no armamento podem competir com elas, penduram-se nas assaltantes tentando travar o mais possível o seu avanço, enquanto as ferozes mandíbulas invasoras as vão despedaçando. As operárias trabalham com toda a velocidade e esforçam-se por fechar de novo a termiteira derrubada… mas fecham-na deixando de fora as pobres e heróicas térmitas-soldado, que sacrificam as suas vidas pela segurança das restantes formigas. Não merecerão estas formigas-soldado pelo menos uma medalha? Não será justo dizer que são valentes? Mudo agora de cenário, mas não de assunto. Na Ilíada, Homero conta a história de Heitor, o melhor guerreiro de Tróia, que espera a pé firme fora das muralhas da sua cidade Aquiles, o enfurecido campeão dos Aqueus, embora sabendo que Aquiles é mais forte do que ele e que vai provavelmente matá-lo. Fá-lo para cumprir o seu dever, que consiste em defender a família e os concidadãos do terrível assaltante. Ninguém dúvidas: Heitor é um herói, um homem valente como deve ser. Mas será Heitor heróico e valente da mesma maneira que as térmitas-soldado, cuja gesta milhões de vezes repetida nenhum Homero se deu ao trabalho de contar? Não faz Heitor, afinal de contas, a mesma coisa que qualquer uma das térmitas anónimas? Por que nos parece o seu valor mais autêntico e mais difícil do que o dos insectos? Qual a diferença entre um e outro caso? Muito simplesmente, a diferença assenta no facto de as térmitas-soldado lutarem e morrerem porque têm de o fazer, sem que possam evitá-lo (como a aranha come a mosca). Heitor, pelo seu lado, sai para enfrentar Aquiles porque quer. As térmitas-soldado não podem desertar, nem revoltar-se, nem fazer cera para que outras vão em seu lugar: estão programadas necessariamente pela natureza para cumprir a sua heróica missão. O caso de Heitor é distinto. Poderia dizer que está doente ou que não tem vontade de se bater com alguém mais forte do que ele. Talvez os seus concidadãos lhe chamassem cobarde e o considerassem insensível ou talvez lhe perguntassem que outro plano via ele para deter Aquiles, mas é indubitável que Heitor tem a possibilidade de se recusar a ser herói. Por muita pressão que os restantes exercessem sobre ele, ele teria sempre maneira de escapar daquilo que se supõe que deve fazer: não está programado para ser herói, nem o está seja que homem for. Daí que o seu gesto tenha mérito e que Homero nos conte a sua história com uma emoção épica. Ao contrário das térmitas, dizemos que Heitor é livre, e por isso admiramos a sua coragem.
                                                             Fernando Savater, Ética para um Jovem 


O que distingue o comportamento de Heitor do comportamento das formigas?

domingo, 14 de outubro de 2012

As questões da filosofia




Eis algumas perguntas que qualquer um de nós pode fazer sobre nós mesmos: O que sou eu? O que é a consciência? Será que eu podia sobreviver à morte do meu corpo? Será que posso ter a certeza de que as experiências e sensações das outras pessoas são como as minhas? Se eu não posso partilhar as experiências das outras pessoas, será que posso comunicar com elas? Será que agimos sempre em função do nosso interesse próprio? Será que sou uma espécie de fantoche, programado para fazer as coisas que penso fazer em função do meu livre-arbítrio?
Eis algumas perguntas sobre o mundo: Por que razão há algo e não o nada? Qual a diferença entre o passado e o futuro? Por que razão a causalidade acontece sempre do passado para o futuro, ou será que faz sentido pensar que o passado pode ser influenciado pelo futuro? Por que razão é a natureza regular? Será que o mundo pressupõe um Criador? E, se pressupõe, será que podemos compreender por que razão ele (ou ela ou eles) o criou?
Por fim, eis algumas perguntas sobre nós e o mundo: Como podemos ter a certeza de que o mundo é realmente como pensamos que é? O que é o conhecimento e que quantidade de conhecimento temos? O que faz de uma área de investigação uma ciência? (Será a psicanálise uma ciência? E a economia?) Como conhecemos os objectos abstractos, como os números? Como conhecemos os valores e os deveres? Como podemos saber se as nossas opiniões são objectivas ou apenas subjectivas?

                                                             Simon Blackburn, Pense





~~Crenças básicas fundamentais são crenças cuja verdade ou falsidade implica a verdade ou falsidade de outras crenças que dela dependem.~~

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Estudar Filosofia








[…]
Porquê estudar filosofia?
Defende-se por vezes que não vale a pena estudar filosofia uma vez que tudo o que os filósofos fazem é discutir sofisticamente o significado das palavras; nunca parecem atingir quaisquer conclusões de qualquer importância e a sua contribuição para a sociedade é virtualmente nula. Continuam a discutir acerca dos mesmos problemas que cativaram a atenção dos gregos. Parece que a filosofia não muda nada; a filosofia deixa tudo tal e qual.
Qual é afinal a importância de estudar filosofia? Começar a questionar as bases fundamentais da nossa vida pode até ser perigoso: podemos acabar por nos sentir incapazes de fazer o que quer que seja, paralisados por fazer demasiadas perguntas. Na verdade, a caricatura do filósofo é geralmente a de alguém que é brilhante a lidar com pensamentos altamente abstractos no conforto de um sofá, numa sala de Oxford ou Cambridge, mas incapaz de lidar com as coisas práticas da vida: alguém que consegue explicar as mais complicadas passagens da filosofia de Hegel, mas que não consegue cozer um ovo.
A vida examinada
Uma razão importante para estudar filosofia é o facto de esta lidar com questões fundamentais acerca do sentido da nossa existência. A maior parte das pessoas, num ou noutro momento da sua vida, já se interrogou a respeito de questões filosóficas. Por que razão estamos aqui? Há alguma demonstração da existência de Deus? As nossas vidas têm algum propósito? O que faz com que algumas acções sejam moralmente boas ou más? Poderemos alguma vez ter justificação para violar a lei? Poderá a nossa vida ser apenas um sonho? É a mente diferente do corpo, ou seremos apenas seres físicos? Como progride a ciência? O que é a arte? E assim por diante.
A maior parte das pessoas que estuda filosofia acha importante que cada um de nós examine estas questões. Algumas até defendem que não vale a pena viver a vida sem a examinar. Persistir numa existência rotineira sem jamais examinar os princípios na qual esta se baseia pode ser como conduzir um automóvel que nunca foi à revisão. Podemos justificadamente confiar nos travões, na direcção e no motor, uma vez que sempre funcionaram suficientemente bem até agora; mas esta confiança pode ser completamente injustificada: os travões podem ter uma deficiência e falharem precisamente quando mais precisarmos deles. Analogamente, os princípios nos quais a nossa vida se baseia podem ser inteiramente sólidos; mas, até os termos examinado, não podemos ter a certeza disso.
Contudo, mesmo que não duvidemos seriamente da solidez dos princípios em que baseamos a nossa vida, podemos estar a empobrecê la ao recusarmo nos a usar a nossa capacidade de pensar. Muitas pessoas acham que dá demasiado trabalho ou que é excessivamente inquietante colocar este tipo de questões fundamentais: podem sentir se satisfeitas e confortáveis com os seus preconceitos. Mas há outras pessoas que têm um forte desejo de encontrar respostas a questões filosóficas que representem um desafio.
Aprender a pensar
Outra razão para estudar filosofia é o facto de isso nos proporcionar uma boa maneira de aprender a pensar mais claramente sobre um vasto leque de assuntos. Os métodos do pensamento filosófico podem ser úteis em variadíssimas situações, uma vez que, ao analisar os argumentos a favor e contra qualquer posição, adquirimos aptidões que podem ser aplicadas noutras áreas da vida. Muitas pessoas que estudam filosofia aplicam depois as suas aptidões em profissões tão diferentes quanto o direito, a informática, a consultoria de gestão, o funcionalismo público e o jornalismo áreas onde a clareza de pensamento é um grande trunfo. Os filósofos usam também a perspicácia que adquirem acerca da natureza da existência humana quando se voltam para as artes: alguns filósofos foram também romancistas, críticos, poe¬tas, realizadores de cinema e dramaturgos de sucesso.
[...]
Nigel Warburton
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