segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Por que razão haveremos de ser morais?




Uma lenda antiga conta-nos a história de Giges, um pastor pobre que encontrou um anel numa fissura aberta por um terramoto. Giges descobriu que ficava invisível quando girava o anel no seu dedo. Isto permitia-lhe fazer aquilo com que as outras pessoas podem apenas sonhar: ele podia ir onde quisesse e fazer o que lhe apetecesse sem medo de ser descoberto. Usou o poder do anel para enriquecer, tirar o que queria e matar quem se metesse no seu caminho. Acabou por invadir o palácio real, onde seduziu a rainha, assassinou o rei e se apoderou o trono. Tornou-se rei de todo o território.


Gláucon conta esta história no Livro II da República de Platão. Apesar da natureza fantasiosa da narrativa, Giges foi uma pessoa real, um rei da Lídia. Heródoto também explica como Giges conquistou o poder. Segundo Heródoto, Giges começou por ser um servo do Rei Candaules, «um homem que estava apaixonado pela própria mulher». (Aparentemente, Heródoto considerava isto invulgar.) Certo dia estava a gabar-se da beleza da sua mulher perante Giges, e para provar que tinha razão decidiu que Giges deveria vê-la nua. Giges opôs-se, mas o Rei ordenou-lhe que se escondesse no quarto da Rainha e que a visse despir-se. Giges obedeceu relutantemente. Como seria de esperar, a rainha apanhou-o e disse-lhe que seria condenado à morte pela sua impertinência, a não ser que matasse Candaules e casasse com ela, caso em que não haveria mal em tê-la visto nua, já que seria o seu marido. Por isso, como na versão que Gláucon nos dá da história, Giges assassinou Candaules e tornou-se rei.
Gláucon conta a história de Giges para dar um exemplo de como o comportamento imoral por vezes pode ser vantajoso para o agente. Se Giges tivesse permanecido virtuoso, teria continuado pobre. Ao infringir as regras morais, tornou-se rico e poderoso. Atendendo a isto, por que razão haveria Giges de se ter importado com a moralidade? Aliás, por que razão havemos nós de nos preocupar com a moralidade se isso não nos beneficiar? Por que razão haveremos de dizer a verdade se mentir nos trouxer uma vantagem? Por que razão haveremos de doar dinheiro a uma organização de beneficência se podemos comprar coisas para nós próprios? A moralidade coloca-nos restrições que podem desagradar-nos ou não ser bem-vindas. Por que razão não haveremos de nos limitar a esquecê-la? Gláucon acrescenta que, na sua opinião, todos nos comportaríamos como Giges se pudéssemos escapar impunemente.



                                                 J. Rachels, Problemas da Filosofia



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