Mill tem uma
perspetiva hedonista de felicidade. Segundo esta perspetiva, a felicidade
consiste no prazer e na ausência de dor. O prazer pode ser mais ou menos
intenso e mais ou menos duradouro. Mas a novidade de Mill está em dizer que há
prazeres superiores e inferiores, o que significa que há prazeres
intrinsecamente melhores do que outros. Mas o que quer isto dizer?
Simplesmente
que há prazeres que têm mais valor do que outros devido à sua natureza. Mill
defende que os tipos de prazer que têm mais valor são os prazeres do
pensamento, sentimento e imaginação; tais prazeres resultam da experiência de
apreciar a beleza, a verdade, o amor, a liberdade, o conhecimento, a criação
artística. Qualquer prazer destes terá mais valor e fará as pessoas mais
felizes do que a maior quantidade imaginável de prazeres inferiores. Quais são
os prazeres inferiores? Os prazeres ligados às necessidades físicas, como
beber, comer e sexo.
Diz-se que o
hedonismo de Mill é sofisticado por ter em conta a qualidade dos prazeres na
promoção da felicidade para o maior número; a consequência disso é deixar em
segundo plano a ideia de que o prazer é algo que tem uma quantidade que se pode
medir meramente em termos de duração e intensidade. É a qualidade do prazer que
é relevante e decisiva. Daí Mill dizer que é preferível ser um "Sócrates
insatisfeito a um tolo satisfeito". Sócrates é capaz de prazeres elevados
e prazeres baixos e escolheu os primeiros; o tolo só é capaz de prazeres baixos
e está limitado a uma vida sem qualidade. Mas será que é realmente preferível
ser um "Sócrates insatisfeito"? Mill afirma que, se fizéssemos a
pergunta às pessoas com experiência destes dois tipos de prazer, elas
responderiam que os prazeres elevados produzem mais felicidade que os prazeres
baixos. Todas fariam a escolha de Sócrates.
Há filósofos que
consideram a distinção entre prazeres inferiores e superiores incompatível com
o hedonismo. Se, como afirma o hedonismo, uma experiência vale mais do que
outra apenas em virtude de ser mais aprazível, ao aumentarmos progressivamente
a aprazibilidade do prazer inferior, chegaremos a um ponto em que este pesará
mais do que um prazer superior na balança dos prazeres; e nesse caso, se
quisermos manter o hedonismo, a distinção entre prazeres inferiores e
superiores deixará de fazer sentido e terá de ser abandonada. Convido-te a
imaginar que resposta poderá ser dada a esta objecção em defesa da ética de
Mill.
Faustino Vaz, in Crítica
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