segunda-feira, 14 de abril de 2014

Os animais têm direitos?



Quando se pergunta se os animais têm direitos, como deveremos entender a questão? Dar-lhe uma resposta afirmativa, importa esclarecer desde já, não implica pensar que todos os animais das outras espécies conhecidas, incluindo as ostras e as moscas, têm direitos. Quando alguém declara que os animais têm direitos, normalmente pretende dizer apenas que, entre os animais não-humanos, alguns têm direitos. Mas de que direitos estamos a falar?
No contexto do debate em que os ensaios deste livro se inscrevem, não de direitos legais, mas de direitos morais. A questão geral em que todos estes ensaios se centram, então, é a de saber como devemos tratar os animais não-humanos se adoptarmos um ponto de vista ético, independentemente do que as leis dizem a esse respeito.
A noção de direitos morais é notavelmente ambígua, pelo que a pergunta “Os animais têm direitos?”, mesmo depois de clarificada da forma sugerida, admite interpretações muito diferentes.
No sentido mais amplo do termo, dizer que um ser tem direitos é apenas afirmar que esse ser tem estatuto moral. Se um ser tem estatuto moral, não podemos ignorá-lo ou tratá-lo como nos apetecer. Será eticamente errado tratá-lo de certas formas, estaremos a violar determinados deveres ou obrigações se o tratarmos dessas formas — e isso porque esse ser “conta” por si mesmo, tem uma importância moral que é independente de quaisquer relações que mantenha com outros seres. É praticamente consensual que as pessoas têm estatuto moral, mas não pensamos o mesmo de muitos objectos físicos comuns, como as pedras, os computadores e os livros. Podemos ter o dever de não destruir um certo livro, por exemplo. Mas não parece que tenhamos esse dever para com o próprio livro. Se temos esse dever, é porque o livro pertence a alguém que não deseja vê-lo destruído. O dever que envolve o livro é, na verdade, um dever para com o seu proprietário. Só este último tem estatuto moral.
No sentido amplo de “direitos”, qualquer perspectiva ética admite a existência de direitos. As divergências surgem quando se procura determinar que seres têm direitos. Os fetos humanos terão estatuto moral? E os seres humanos que ficaram irreversivelmente inconscientes? Se os animais não-humanos tiverem estatuto moral, teremos de fazer o mesmo juízo acerca das plantas? Outras questões interessantes dizem respeito a desigualdades de estatuto moral. No caso dos animais não-humanos, alguns autores defendem que certos animais (e.g., os grandes símios) têm um estatuto moral superior ao de outros animais (e.g., os répteis e os peixes), o que significa que as nossas obrigações para com os primeiros são de algum modo mais fortes do que aquelas que os segundos nos colocam. Há também muitos autores que, embora reconheçam estatuto moral a alguns animais não-humanos, pensam que o estatuto moral dos seres humanos é invariavelmente mais elevado.
Entendidos num sentido mais estrito, os direitos são um traço distintivo das perspectivas éticas de carácter deontológico — não são compatíveis, portanto, com todas as perspectivas éticas. Quando um deontologista diz que as pessoas inocentes têm, por exemplo, o direito à vida, está a afirmar que é errado matar intencionalmente uma pessoa inocente mesmo que isso seja necessário para produzir um maior bem, como salvar várias pessoas inocentes. Concebidos deontologicamente, os direitos são assim limites éticos àquilo que podemos fazer aos outros não só quando perseguimos objectivos pessoais, mas também quando temos em vista o bem-estar social ou outro fim louvável mais amplo, como a conservação ambiental ou o alargamento do conhecimento. Para nos referirmos a esta forma de conceber os direitos, podemos falar de direitos deontológicos. Estes, note-se, são essencialmente negativos: respeitá-los é não interferir de certas formas nas vidas dos indivíduos que os possuem. É por isso que por vezes são comparados a sinais invisíveis de “passagem proibida”.
Temos então duas formas de interpretar a perspectiva de que os animais têm direitos, que correspondem às seguintes teses:
1.                   Alguns animais não-humanos têm estatuto moral;
2.                   Alguns animais não-humanos têm direitos deontológicos.

Pode-se aceitar 1 sem aceitar 2, mas não fazer o inverso. A tese 2 é mais forte. Compromete-nos não com a simples existência de obrigações morais para com os animais, como o dever de não os maltratar por prazer, mas com a ideia mais precisa de que algumas dessas obrigações consistem em deveres muito fortes, ou até absolutos, de não interferir ofensivamente na vida dos animais mesmo quando fazê-lo fosse muito vantajoso para nós ou para os seres humanos em geral.

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Pedro Galvão, "Os animais têm direitos", in Crítica, http://criticanarede.com/animais2.html

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