domingo, 22 de setembro de 2013

O sono da razão produz monstros




Uma das séries de sátiras gravadas pelo pintor espanhol Goya tem por título “O Sono da Razão Produz Monstros”. Goya pensava que muitas das loucuras da humanidade resultavam do “sono da razão”. Há sempre pessoas prontas a dizer-nos o que queremos, a explicar-nos como nos vão dar essas coisas e a mostrar-nos no que devemos acreditar. As convicções são contagiosas, e é possível convencer as pessoas de praticamente tudo. Geralmente, estamos dispostos a pensar que os nossos hábitos, as nossas convicções, a nossa religião e os nossos políticos são melhores do que os deles, ou que os nossos direitos dados por Deus anulam os direitos deles, ou que os nossos interesses exigem ataques defensivos ou dissuasivos contra eles. Em última análise, trata-se de ideias que fazem as pessoas matarem-se umas às outras. É por causa de ideias sobre o que os outros são, ou quem somos, ou o que os nossos interesses ou direitos exigem que fazemos guerras ou oprimimos os outros de consciência tranquila, ou até aceitamos por vezes ser oprimidos. Quando estas convicções implicam o sono da razão, o despertar crítico é o antídoto. A reflexão permite-nos recuar, ver que talvez a nossa perspectiva sobre uma dada situação esteja distorcida ou seja cega, ou pelo menos ver se há argumentos a favor dos nossos hábitos, ou se é tudo meramente subjetivo. Fazer isto bem é pôr em prática mais alguma engenharia conceptual.



A reflexão pode ser encarada como uma coisa perigosa, visto que não podemos saber à partida onde nos conduzirá. Há sempre pensamentos que se opõem à reflexão. As questões filosóficas fazem muitas pessoas sentirem-se desconfortáveis, ou mesmo ultrajadas. Algumas têm medo que as suas ideias possam não resistir tão bem como elas gostariam se começarem a pensar sobre elas. Outras podem querer basear-se nas “políticas da identidade” ou, por outras palavras, no tipo de identificação com uma tradição, grupo ou identidades nacionais ou étnicas particulares que os convida a voltar as costas a estranhos que coloquem em causa os hábitos do grupo. Essas pessoas irão minimizar a crítica: os seus valores são “incomensuráveis” relativamente aos valores dos estranhos. Só os irmãos e irmãs do seu círculo podem compreendê-las. Algumas pessoas gostam de se refugiar num círculo espesso, confortável e tradicional de tradições populares, sem se preocuparem muito com a sua estrutura, as suas origens, ou mesmo com as críticas que possam merecer. A reflexão abre a avenida da crítica, e as tradições populares podem não gostar da crítica. Neste sentido, as ideologias tornam-se círculos fechados, prontas a sentirem-se ultrajadas pelo espírito interrogante.

Nos últimos 2 mil anos, a tradição filosófica tem sido a inimiga deste tipo de complacência confortável. Tem insistido na ideia de que uma vida não examinada não vale a pena ser vivida. Tem insistido no poder da reflexão racional para descobrir o que há de errado nas nossas práticas, e para as substituir por práticas melhores. Tem identificado a auto-reflexão crítica com a liberdade — e a ideia é que só quando nos conseguimos ver a nós mesmos de forma adequada podemos controlar a direção em que desejamos caminhar. 

Ler texto completo aqui
                                                                            Simon Blackburn, Pense





6 comentários:

  1. A filosofia combate o rien faire ; o nada fazer ou seja o não criticar, o não pensar e o não refletir.
    Não vale a pena viver se não refletirmos sobre nós próprios, o rumo e os objetivos da nossa vida, somos seres com capacidade para pensar. Logo devemos utilizar essa capacidade.
    Só refletindo e analisando os problemas é que podemos construir o nosso caminho.
    Irene Pereira

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  2. Por vezes andamos adormecidos, pensamos pelo pensamento dos outros, ou seja, achamos que o pensamento dos outros é que é válido, os outros é que têm razão na sua forma de ver o mundo à sua volta. Mas quando acordamos, é quando começamos a pensar por nós próprios, quando refletimos sobre tudo o que nos rodeia, e passamos a ter uma opinião própria sobre a política, religião, etc. Só assim é que podemos escolher o caminho que pretendemos seguir na vida, ao termos o nosso próprio pensamento, as nossas próprias opiniões.
    Costuma-se dizer que quando se vive na ignorância, vive-se mais feliz, porque na verdade pensar dá "trabalho", apercebemo-nos da vericidade das coisas e isso traz-nos preocupações, mas também nos dá mais poder de decisão, na minha opinião.

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  3. Penso que é natural o ser humano gostar de se sentir integrado num círculo de pessoas, num grupo, com o qual se identifica. De facto, o ser humano é um ser social.
    No entanto, quando este se encontra num círculo e não tem a possibilidade de refletir sobre ele mesmo, e até questionar os valores e costumes do círculo no qual se encontra, a situação muda de figura. Nisto, o ser humano é forçado a "engolir" e "obedecer" ao que os outros membros e líder(es) do grupo estipulam, sofrendo consequências muitas vezes desagradáveis caso não o faça.
    Todos nós temos a ideia de que o local onde nascemos e crescemos, a nossa cultura, os nossos valores, direitos e tradições (etc) são melhores do que os de um indivíduo que pertence a uma cultura diferente daquela que conhecemos. Tal acontece porque é muito mais fácil continuarmos a utilizar a nossa cultura como a "melhor"; foi a ela que nos habituámos e adaptámos desde novos, foi sobre ela que nos ensinaram. É ela que conhecemos bem. Desde sempre que o "desconhecido" representa para o Homem um sinónimo de perigo e escuridão, tornando-se por isso desconfortável de entender.
    Se nunca tivermos a liberdade de pensar de forma diferente e de refletirmos sobre quem somos e o meio onde nos encontramos, se nunca tivermos a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro indivíduo, então provavelmente não teremos a consciência de quem somos e se somos realmente tão distintos de outro que nasceu e cresceu na face oposta do planeta, tendo ele diferentes formas de encarar a vida.
    Se, por outro lado, formos capazes de compreender a outra pessoa, de compreendermos o mundo da forma como ele o vê, seria possível realizar grandes progressos a nível universal, aproveitando aquilo que há de melhor em cada ser humano, em cada cultura. Se nos conhecermos a nós mesmos e ao nosso círculo de forma adequada, ser-.nos-à mais fácil encontrar o nosso caminho para a paz e felicidade.

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  4. Uma vida que não seja examinada não faz sentido viver, pois se não analisarmos as nossas próprias ações, estaremos a correr o risco de estar a ser manipulados, e a ser levados pelo vento de um lado para o ourto, como se fossemos uma folha solta e frágil. Muitas vezes, criticamos os outros pelas suas ações, pois é muito fácil analisar a ação de terceiros, principalmente quando não temos uma ligação direta com eles. Mas esquecemo-nos, que muitas vezes fazemos a mesma coisa ou nos deixamos levar pela opinião de um grupo, pelo simples facto de sentir-mos a necessidade de nos abrigar-mos, tanto dos olhares curiosos, como de desprezo: [ "Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.", Platão ].
    É por isso que inconscientemente votamos nas pessoas, cuja a opinião a maioria considera certas sendo por vezes, na verdade, as minorias que governam, pelo simples facto do resto da população não querer pensar por si mesmo . É por isso, que tantas vezes nos deixamos submeter às críticas de falsos sábios. É por isso, que a ignorância é uma benção para os que possuem poder, pois aqueles que não possuem a ignorância, transformam-se em inimigos poderosos e ninguém que queira submeter o seu igual, deseja isso. ( A morte de Sócrates, por exemplo, foi uma ação de desespero, pois este estava a abrir os olhos a demasiada gente. O problema não é quando um "doido" pensa, o problema é quando este "doido", passa para um "plural de proporções desagradáveis".
    A Filosofia serve exatamente, para nos ensinar a pensar e a criticar, tanto as ações dos outros, como as nossas. Permite-nos perceber que não precisamos de nos esconder nas ideias dos outros, ensinando-nos a criar o nosso próprio "...círculo...". Deixando-nos analisar as nossas ações com distância suficiente, para deixarmos o nosso orgulho, e sermos capazes de nos criticar, tanto negativamente, como positivamente. A verdade, é que só a auto-reflexão, nos pode levar a refletir sobre outros assuntos corretamente: [ "Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses.", Sócrates ]

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  5. Aqui está um site de citações, muito interessantes, que eu descobri:
    http://pensador.uol.com.br/citacoes_de_filosofos/

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  6. Bom dia.
    Interessante espaço filosófico.
    Grato

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