quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A entrada das mulheres na filosofia do séc. XX



Momentos antes de morrer, Sócrates despede-se dos amigos, dos filhos e da família. O relato tocante que Platão nos deixa no Fédon é por demais conhecido. No entanto, há nele uma breve referência que passa despercebida à maior parte dos leitores: a ordem dada pelo filósofo para que as mulheres se retirem. Ausentes em todo o diálogo preparatório da morte, são mandadas sair quando esta vai concretamente ocorrer, como se só os discípulos, homens todos eles, pudessem assistir ao suicídio forçado do filósofo, do mesmo modo que só eles acompanharam as suas diatribes oratórias na cidade.
Este abandono (imposto) das mulheres no que respeita à filosofia, retrata bem o estatuto que as mesmas ocuparam no pensamento ocidental - a ausência. Uma ausência não deliberada mas compulsiva, não expressa mas subreptíciamente justificada por razões outras que não as filosóficas.
A saída das mulheres, ordenada por Sócrates, é aceite pelos discípulos deste como algo de natural. Há um silêncio conivente dos filósofos para os quais a condição feminina se circunscreve ao espaço privado, enquanto a filosofia é um acontecimento público, mesmo quando se desenrola num quarto e diz respeito ao acto íntimo de morrer. Um silêncio que se mantém ao longo de séculos. Intercalada por algumas intervenções femininas, a voz dominante da filosofia é masculina. O que é problemático para as suas atuais cultoras. De facto, como dizer às mulheres que hoje se interessam por filosofia - estudiosas, professoras, investigadoras, estudantes - que não existem, enquanto mulheres, na mente dos filósofos? Como fazê-las aceitar a universalidade do conceito de homem, pelo qual são designadas? Como convencê-las de que tudo o que as identifica enquanto diferentes, é desinteressante para a filosofia? E que reação esperar por parte de quem permanentemente se defronta com o silenciamento, a anulação ou a secundarização de temáticas que considera relevantes?
Com algumas excepções, os filósofos têm olhado as mulheres de um modo negativo, ou, quanto muito, condescendente. A tese platónica difundida no Timeu, segundo a qual a mulher representa uma forma inferior de humanidade, perdura até Freud, que, retomando Aristóteles, entende a mulher como um homem castrado.
Com o século XX esta situação altera-se, e podemos dizer que a partir dos anos sessenta ocorre uma mutação nas relações entre a filosofia e as mulheres. Os movimentos feministas que então ganham força, sobretudo nos EUA e países de língua inglesa, levam ao incremento dos Women Studies ou Gender Studies, incluindo-os de pleno direito nos curricula universitários e nos projectos de investigação. A filosofia, essa "disciplina recalcitrante"4 que dificilmente se abre à inovação, sofre no nosso século o impacto deste "boom". Uma das mudanças manifesta-se em novas maneiras de apreciar o pensamento dos filósofos, mediante chaves de leitura que permitem uma visão diferente das suas teses, nomeadamente no que respeita à consistência interna das mesmas. Como diz Nancy Tuana, não basta interpretar certos sistemas procurando neles a parte (geralmente mínima) que consagram às mulheres. É preciso articular o que é dito sobre esta temática com a totalidade de um pensamento, de modo a que o resultado global do mesmo seja congruente. O que nem sempre acontece.
Uma outra linha de investigação, ainda ligada à história da filosofia, pretende restituir a voz a filósofas do passado, dando-lhes visibilidade e mostrando o impacto que tiveram. Habitualmente catalogadas como discípulas deste ou daquele nome sonante, começa-se a reconhecer nelas um pensamento autónomo, expresso através dos meios em que lhes era possível divulgá-lo, quer se trate de ensaios, de tratados, ou simplesmente de cartas.

Um outro campo que tem dado frutos releva temáticas tipicamente femininas, habitualmente não trabalhadas pelos pensadores tradicionais e agora redescobertas nas potencialidades filosóficas que encerram. Nele se inclui uma abundante literatura consagrada a questões como o nascimento, a relação maternal, o cuidado com os outros, o modo feminino de fazer ética, epistemologia, ontologia, lógica.

                                         Maria Luísa Ribeiro Ferreira, As Mulheres na Filosofia

Se tens curiosidade sobre este tema, podes consultar o livro ou o site:





http://www.centrodefilosofia.com/uploads/pdfs/philosophica/17_18/5.pdf

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