sábado, 3 de agosto de 2013

É possível a ética?



É possível a ética? Se a entendemos como arte de viver, como projecto racional para harmonizar as exigências sociais da liberdade, como consciência de uma autonomia responsável, como reflexão crítica dos valores institucionalizados, negar a possibilidade da ética equivaleria a negar-nos a nós próprios como sujeitos não já civis mas civilizados. O preço pela demissão moral baseada em supostos argumentos históricos, científicos ou políticos – é a consagração desesperada do pior dos niilismos: das suas consequências, tanto individuais como colectivas já tivemos, neste século, os mais arrepiantes exemplos.
O que diferencia a ética de qualquer outra atitude decisória é que representa aquilo que está sempre nas nossas mãos. Aquilo em cuja escolha e defesa nenhuma autoridade pode substitui-nos sem indignidade, de cuja responsabilidade nenhuma convenção grupal pode no fundo desculpar-nos. Também são muito importantes os valores políticos ou jurídicos (seria um erro que o discurso moral fagocitasse ou saltasse por cima deles, imprescindíveis na sua específica perspetiva) mas a sua realização efectiva requer o acordo de muitos, plasmado em instituições, partidos ou grupos de ação. A ética, em contrapartida, ocupa-se do ideal humano que está sempre na nossa mão procurar: com os outros, se é possível, e sós se não houver outro remédio. Nesta tarefa não pode admitir-se adiamento, porque nela jogamos não já a vida, mas o que há de bom na vida.
                                                Fernando Savater, O Conteúdo da Felicidade

                                                                       

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