quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Factos e valores


Edward Hooper

Juízos de facto e juízos de valor - aqui

Os valores orientam a nossa vida e influenciam as nossas decisões, determinando o que pensamos acerca do que é melhor ou pior. Muitas vezes ouvimos as pessoas fazer afirmações acerca dos valores que aceitam.
Podem dizer, por exemplo, que a honestidade, o respeito e a amizade são os valores que prezam acima de tudo. O que querem dizer é que essas são ideias que norteiam a sua vida, levando-as a realizar determinadas ações e a preferir determinadas coisas.

Por vezes, os nossos valores parecem-nos tão importantes que chegamos a pensar que todas as pessoas deveriam aceitá-los. Por vezes também, só pensamos neles quando nos confrontamos com culturas que têm valores profundamente diferentes dos nossos. Temos valores dos mais diversos géneros e não é fácil classificá-los, mas muitos dos mais importantes estão associados a três domínios: a ética, que diz respeito ao modo como devemos agir e relacionar-nos com os outros, a estética, isto é, o domínio do belo e da arte, e a religião, na qual o homem procura desenvolver a sua vida espiritual através do contacto com entidades sagradas. Como exemplos de valores éticos podemos indicar a generosidade, a liberdade e a justiça. Entre os valores estéticos destacam-se a beleza, a harmonia, a unidade, a elegância, a originalidade e o prazer desinteressado. No domínio da religião, a fé e o sagrado contam-se entre os valores mais importantes.

(…)

Factos e valores

Uma distinção aparentemente clara, mas na verdade difícil de entender, é a que se costuma estabelecer entre factos e valores. Podemos captar esta distinção dizendo que há dois tipos de juízos: os juízos de facto e os juízos de valor.

Imagina que dizes “O João tem um metro e noventa” ou “A pena de morte existe nos Estados Unidos”. Estes juízos limitam-se a descrever certos aspectos da realidade. Mas podes também dizer “O João é honesto” ou “A pena de morte é injusta”. Nestes casos estás também a fazer juízos acerca do João e da pena de morte, mas estes parecem ter uma natureza diferente.

Os primeiros dois juízos são meramente descritivos. Têm valor de verdade e o seu valor de verdade não depende em nada daquilo que pensa a pessoa que os formula. Se descrevem correctamente a realidade, se correspondem aos factos, são verdadeiros. Caso contrário, são falsos. E a sua verdade ou falsidade é objectiva, ou seja, completamente independente das diversas perspectivas das pessoas. São por isso juízos de facto. A função básica destes juízos é fornecer informação acerca do mundo.

E juízos como “O João é honesto” ou “A pena de morte é injusta”? Estes são típicos juízos de valor. Serão também eles verdadeiros ou falsos independentemente do que as pessoas pensam? Não é fácil responder a esta pergunta. Os juízos de valor não se limitam a fornecer informação sobre as coisas. Não são meramente descritivos, pois expressam uma avaliação de certos aspectos da realidade. Muitas vezes a sua função é influenciar o comportamento dos outros e mostrar-lhes como devem olhar para a realidade. Por isso, pelo menos em parte são normativos. Quando alguém nos diz que o João é honesto sugere que devemos olhar para o João de uma determinada maneira, que devemos confiar nele. E quando alguém nos diz que a pena de morte é injusta está a avaliar negativamente essa prática, sugerindo que devemos reprová-la.

Resumindo, podemos dizer o seguinte:

  • Os juízos de facto têm claramente valor de verdade. E o seu valor de verdade é independente das crenças ou gostos de quem os profere. Ou melhor: é independente da perspectiva de qualquer sujeito.
  • Os juízos de facto são totalmente descritivos. Quando são verdadeiros, limitam-se a dizer-nos como as coisas são.
  • Não é óbvio que os juízos de valor tenham valor de verdade. E, se são verdadeiros ou falsos, talvez não o sejam independentemente das crenças ou gostos de quem os profere. Talvez não o sejam independente da perspectiva de qualquer sujeito.
  • Os juízos de valor são pelo menos parcialmente normativos. De certa forma destinam-se a indicar-nos como devemos avaliar as coisas.
É comum pensar-se que, enquanto que na ciência só encontramos juízos de facto, nos domínios da ética, da estética e da religião os juízos de valor ocupam um lugar proeminente. Mas qual será ao certo a sua natureza? Concentremo-nos em juízos de valor com conteúdo moral, como “Matar pessoas inocentes é errado” ou “A pena de morte é injusta”. Para compreendermos a sua natureza, temos que responder a estas perguntas:

  1. Os juízos morais têm valor de verdade?
  2. Se têm valor de verdade, são verdadeiros ou falsos independentemente da perspectiva de quaisquer sujeitos?
Texto completo aqui
                                                       

Pedro Galvão, Valores e valoração: a questão dos critérios valorativos, in Crítica

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