domingo, 10 de março de 2013

Imperativo categórico


Como muitos outros filósofos, Kant pensava que a moralidade pode resumir-se num princípio fundamental, a partir do qual se derivam todos os nossos deveres e obrigações. Chamou a este princípio «imperativo categórico». Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) exprimiu-o desta forma:

Age apenas segundo aquela máxima que possas ao mesmo tempo desejar que se torne lei universal.
No entanto, Kant deu igualmente outra formulação do imperativo categórico. Mais adiante, na mesma obra, afirmou que se pode considerar que o princípio moral essencial afirma o seguinte:


Age de tal forma que trates a humanidade, na tua pessoa ou na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca apenas como um meio.


Os estudiosos têm-se perguntado desde então por que razão pensava Kant que estas duas regras são equivalentes. Parecem exprimir conceções morais diferentes. Serão, como Kant pensava aparentemente, duas versões da mesma ideia básica, ou são simplesmente ideias diferentes? Não nos vamos deter nesta questão. Vamos, em vez disso, concentrar-nos na crença de Kant de que a moralidade exige que tratemos as pessoas «sempre como um fim e nunca apenas como um meio». O que significa exatamente isto, e que razão há para pensar que é verdade?


Quando Kant afirmou que o valor dos seres humanos «está acima de qualquer preço» não tinha em mente apenas um efeito retórico, mas sim um juízo objetivo sobre o lugar dos seres humanos na ordem das coisas. Há dois factos importantes sobre as pessoas que apoiam, do seu ponto de vista, este juízo.


Primeiro, uma vez que as pessoas têm desejos e objetivos, as outras coisas têm valor para elas em relação aos seus projetos. As meras «coisas» (e isto inclui os animais que não são humanos, considerados por Kant incapazes de desejos e objetivos conscientes) têm valor apenas como meios para fins, sendo os fins humanos que lhes dão valor. Assim, se quisermos tornar-nos melhores jogadores de xadrez, um manual de xadrez terá valor para nós; mas para lá de tais objetivos o livro não tem valor. Ou, se quisermos viajar, um carro terá valor para nós; mas além de tal desejo o carro não tem valor.
Segundo, e ainda mais importante, os seres humanos têm «um valor intrínseco, isto é, dignidade», porque são agentes racionais, ou seja, agentes livres com capacidade para tomar as suas próprias decisões, estabelecer os seus próprios objetivos e guiar a sua conduta pela razão. Uma vez que a lei moral é a lei da razão, os seres racionais são a encarnação da lei moral em si. A única forma de a bondade moral poder existir é as criaturas racionais apreenderem o que devem fazer e, agindo a partir de um sentido de dever, fazê-lo. Isto, pensava Kant, é a única coisa com «valor moral». Assim, se não existissem seres racionais a dimensão moral do mundo simplesmente desapareceria.


Não faz sentido, portanto, encarar os seres racionais apenas como um tipo de coisa valiosa entre outras. Eles são os seres para quem as meras «coisa» têm valor, e são os seres cujas ações conscientes têm valor moral. Kant conclui, pois, que o seu valor tem de ser absoluto, e não comparável com o valor de qualquer outra coisa.


Se o seu valor está «acima de qualquer preço», segue-se que os seres racionais têm de ser tratados «sempre como um fim e nunca apenas como um meio». Isto significa, a um nível muito superficial, que temos o dever estrito de beneficência relativamente às outras pessoas: temos de lutar para promover o seu bem-estar; temos de respeitar os seus direitos, evitar fazer-lhes mal, e, em geral, «empenhar-nos, tanto quanto possível, em promover a realização dos fins dos outros».
Mas a ideia de Kant tem também uma implicação um tanto ou quanto mais profunda. Os seres de que estamos a falar são racionais, e «tratá-los como fins em si» significa respeitar a sua racionalidade. Assim, nunca podemos manipular as pessoas, ou usá-las, para alcançar os nossos objectivos, por melhores que esses objectivos possam ser. Kant dá o seguinte exemplo, semelhante a outro que utiliza para ilustrar a primeira versão do seu imperativo categórico: suponha que precisa de dinheiro e quer um empréstimo, mas sabe que não será capaz de devolvê-lo. Em desespero, pondera fazer uma falsa promessa de pagamento de maneira a levar um amigo a emprestar-lhe o dinheiro. Poderá fazer isso? Talvez precise do dinheiro para um propósito meritório — tão bom, na verdade, que poderia convencer-se a si mesmo de que a mentira seria justificada. No entanto, se mentisse ao seu amigo, estaria apenas a manipulá-lo e a usá-lo «como um meio».
Por outro lado, como seria tratar o seu amigo «como um fim»? Suponha que dizia a verdade, que precisava do dinheiro para um certo objetivo mas não seria capaz de devolvê-lo. O seu amigo poderia, então, tomar uma decisão sobre o empréstimo. Poderia exercer os seus próprios poderes racionais, consultar os seus próprios valores e desejos, e fazer uma escolha livre e autónoma. Se decidisse de facto emprestar o dinheiro para o objetivo declarado, estaria a escolher fazer seu esse objetivo. Dessa forma, o leitor não estaria a usá-lo como um meio para alcançar o seu objetivo, pois seria agora igualmente o objetivo dele. É isto que Kant queria dizer quando afirmou que «os seres racionais […] têm sempre de ser estimados simultaneamente como fins, isto é, somente como seres que têm de poder conter em si a finalidade da ação».


A conceção kantiana da dignidade humana não é fácil de entender; é provavelmente a noção mais difícil discutida neste livro. Precisamos de encontrar uma forma de tornar a ideia mais clara. Para isso, analisaremos com algum detalhe uma das suas aplicações mais importantes. Isto pode ser bem melhor do que uma discussão teórica árida. Kant pensava que se tomarmos a sério a ideia da dignidade humana seremos capazes de entender a prática da punição de crimes de uma forma nova e reveladora. O resto deste capítulo será dedicado a um exame deste exemplo.



                                                             James Rachels, Elementos da Filosofia Moral


A Fórmula da Lei Universal “Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal”
Esta fórmula do imperativo categórico serve para testar a correção moral das nossas máximas; se a máxima da nossa ação se pode tornar uma norma moral universal.
A Fórmula da Humanidade “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio”
Os seres humanos racionais têm um valor intrínseco absoluto, incondicional e devem, por isso, ser tomados como fins em si (pessoas) e nunca como simples meio.


Respeitar as pessoas significa trata-las como fins em si e nunca como como meros instrumentos que nos sirvam para atingir os nossos objectivos.
Tratar alguém como meio não é moralmente incorreto desde que respeitemos a sua vontade (estamos simultaneamente a trata-la como fim não como mero meio).

- Em que medida se relacionam as duas fórmulas do imperativo categórico?
- Qual a diferença entre tratar alguém como meio e mero meio?


A FÓRMULA DA LEI UNIVERSAL
“Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal”

 Uma ação é moralmente correta se a sua máxima (regra de ação que nos indica o motivo por que fazemos algo) puder ser universalizada, se se pode tornar um princípio universal de ação

A FÓRMULA DA HUMANIDADE
–“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio”

       Cada ser humano é um fim em si e nunca um simples meio (é moralmente errado instrumentalizar os outros usando-os como meros meios para atingir um objectivo)
       Os seres humanos, enquanto seres racionais, têm valor intrínseco absoluto (dignidade)
           Nenhum ser humano vale mais do que outro (pela condição de ser racional)

          Esta fórmula não proíbe as pessoas de serem meios umas para as outras, desde que sejam tratadas com respeito  e não apenas como meios,  ou tratadas como instrumentos ou objectos.

O imperativo categórico da ética deontológica de Kant

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