sábado, 6 de julho de 2013

Partie d’échecs


Vieira da Silva, Partie d'échecs

Para quem gosta de se interrogar sobre a arte, a Partie d’échecs adquire valor exemplar.
Primeiro o quadro fascina-nos, no sentido em que o nosso olhar é irresistivelmente atraído pelo tabuleiro em si, mesmo ao meio, real e exato. Mas mal mergulhamos nele que, do centro da sua teia, a feiticeira nos retem num universo que lhe é próprio. A partir do tabuleiro, com minuciosas construções, ou como temas que, em música, prosseguissem incansavelmente a mesma toada, os quadrados escapam, devoram os personagens entrevistos, cobrem infinitamente todo o horizonte.

Julgo, no primeiro instante, saber do que se trata. Quando estudo demoradamente um texto, as questões que ele suscita são, para mim, as únicas questões; vejo-as por toda a parte; e o mundo à volta desvanesce-se.
Há, contudo, uma grande distância entre esta deformação subjectiva e a pintura, esta pintura. Se os meus problemas e sonhos me escondem o mundo à volta, os do pintor reformam-no e dão-lhe uma nova existência. Ora, essa criação, dir-se-ia que o quadro a representa, manifesta: do centro para as margens a geometria estilhaça-se com subtileza, doces praias amanhecem e a suavidade reina num mundo reconquistado. A dureza do branco e do negro, bem como a do jogo todo intelectual que é deste modo evocado, dá lugar a um cambiante onde parece que o ar circula livremente.
O diálogo entre o centro e as extremidades figura exactamente a própria história desse diálogo desigual entre o real e a arte, deixando à arte a última palavra.

          Jacqueline de Romilly, Memória dos azulejos ou visão prismática do mundo in Vieira da Silva, Centro Nacional de artes Plásticas, Paris

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