Magritte
O que significa
especificamente, dizer que a filosofia faz a 'crítica das nossas crenças'? Para
começar admitamos que a maior parte das nossas crenças sobre questões vitais
como a religião e a moralidade são manifestamente acríticas. Faz uma pausa para
avaliar as tuas crenças sobre estas questões, perguntando-te por que razão
vieste a ter as crenças que tens. Na maior parte dos casos, podemos afirmar com
segurança, irás descobrir que 'não vieste a ter' tais crenças como resultado de
uma reflexão prolongada e séria sobre elas. Pelo contrário, aceitaste-as com
base em alguma autoridade, isto é, um indivíduo qualquer, ou instituição, que
te transmitiu essas crenças. A autoridade pode ser os teus pais, professores,
Igreja ou amigos. Muitas das nossas crenças são impostas pelo que chamamos
vagamente 'sociedade' ou 'opinião pública'. Estas autoridades, regra geral, não
te impõem as suas convicções. Ao invés, absorveste essas crenças a partir do
'clima de opinião' no qual te desenvolveste. Assim, a maior a maior parte das
tuas crenças sobre questões como a existência de Deus ou sobre se por vezes é
correcto mentir são artigos intelectuais em 'segunda mão'.
Mas isto não
significa, claro, que essas crenças sejam necessariamente falsas ou que não
sejam sólidas. Podem perfeitamente ser sólidas. Os artigos em 'segunda mão' por
vezes são muito bons. O que está em causa, contudo, é isto: uma crença não é
verdadeira simplesmente porque uma autoridade qualquer diz que o é. Supõe que,
perante uma certa crença, eu te perguntava: 'como sabes que isso é verdade?'
Certamente que não seria satisfatório responder 'Porque os meus pais
(professores, amigos) me disseram'. Isto, em si, não garante a verdade da
crença, porque tais autoridades se enganaram muitas vezes. Verificou-se que
muitas das crenças sobre medicina dos nossos antepassados, que eles
transmitiram às gerações posteriores, eram falsas. (...)
E aqui que entra
a actividade crítica da Filosofia.
A filosofia
recusa-se a aceitar qualquer crença que as provas experimentais e o raciocínio
não mostrem que é verdadeira. Uma crença que não possa ser estabelecida por
este meio não é digna da nossa fidelidade intelectual e é habitualmente um guia
incerto da acção. A Filosofia dedica-se, portanto, ao exame minucioso das
crenças que aceitámos acriticamente de várias autoridades. Temos de nos
libertar dos preconceitos e emoções que muitas vezes obscurecem as nossas
crenças. A Filosofia não permitirá que crença alguma passe a inspecção só
porque tem sido venerada pela tradição ou porque as pessoas acham que é
emocionalmente compensador aceitar essa crença. A filosofia não aceitará uma
crença só porque se pensa que é ‘simples senso-comum’ ou porque foi proclamada
por homens sábios. A filosofia tenta nada tomar como garantido e nada aceitar
por fé. Dedica-se à investigação persistente e de espírito aberto, para
descobrir se as nossas crenças são justificadas, e até que ponto o são. Deste
modo, a filosofia impede de nos afundarmos na complacência mental e no
dogmatismo em que todos os seres humanos têm tendência para cair.
Jerome Stolnitz, Estética e Filosofia da
Crítica de Arte (Trad. Desidério Murcho)
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