Todos admitirão
prontamente que há uma diferença considerável entre as percepções da mente
quando uma pessoa sente a dor de um calor excessivo ou o prazer de uma tepidez
moderada, e quando mais tarde traz à memória essa sensação ou a antecipa pela
sua imaginação. Essas faculdades podem imitar ou copiar as perceções dos
sentidos, mas jamais podem atingir toda a força e vivacidade do sentimento
original. (…) Todas as cores da poesia, por mais esplêndidas que sejam, jamais
serão capazes de retractar os objetos naturais de modo tal que se tome a
descrição por uma paisagem real. O mais vivido pensamento será sempre inferior à
mais ténue das sensações.
Podemos aqui,
portanto, dividir todas as percepções da mente em duas classes ou espécies, que
se distinguem pelos seus diferentes graus de força e vivacidade. As que são
menos fortes e vividas são geralmente chamadas pensamentos ou ideias. A outra
espécie carece de nome na nossa língua, bem como na maioria das outras, e
suponho que isto acontece porque nunca foi necessário para qualquer finalidade,
com exceção das de caráter filosófico, designá-las por qualquer termo ou
denominação geral. Permitamo-nos portanto uma certa liberdade e chamemos-lhes
impressões, empregando esta palavra num sentido um pouco diferente do habitual.
Entendo pelo termo impressão, assim, todas as nossas impressões mais vividas,
sempre que ouvimos, ou vemos, ou sentimos, ou amamos, ou odiamos, ou desejamos
ou queremos. E as impressões são distintas das ideias, que são as percepções menos
vividas de que temos consciência, quando reflectimos sobre qualquer das
sensações ou movimentos acima mencionados.
A primeira vista,
nada pode parecer mais ilimitado do que o pensamento humano, que não apenas
escapa a toda autoridade e a todo poder do homem, mas também nem sempre é
reprimido dentro dos limites da natureza e da realidade. Inventar monstros e
juntar as mais incongruentes formas e aparências não custa à imaginação mais esforço
do que conceber os objetos mais naturais
e familiares. E enquanto o corpo está confinado a um só planeta, sobre o qual se arrasta com dor e dificuldade, o
pensamento pode-nos transportar num instante às mais distantes regiões do universo,
ou mesmo para além do universo, até ao caos ilimitado, onde se supõe que a
Natureza jaz em total confusão. Aquilo que nunca se viu, ou de que nunca se
ouviu falar, pode ainda ser concebido; e
nada há que fique fora do alcance do pensamento, exceto o que implicar absoluta
contradição.
Mas
embora o nosso pensamento pareça possuir essa liberdade ilimitada, vemos como
um exame mais atento nos mostrará que ele realmente está confinado a limites
muito estreitos, e que todo este poder criador da mente não é mais do que a
capacidade compor, transpor, aumentar e diminuir os materiais que nos são
fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Quando pensamos numa montanha de
ouro, estamos apenas a juntar duas ideias consistentes, a de ouro e a de montanha,
as quais já conhecíamos anteriormente. Podemos conceber um cavalo virtuoso porque
a partir dos nossos próprios sentimentos, podemos conceber a virtude, e depois uni-la
à forma e à figura de um cavalo, animal que nos é familiar. Em suma, todos os
materiais do pensamento derivam de nossas sensações externas ou internas.
Apenas a mistura e composição deles compete à mente e à vontade. Ou, para me expressar
em linguagem filosófica, todas as nossas ideias ou percepções mais fracas são
cópias de nossas impressões ou percepções mais vivas.
David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano
Conteúdos do Pensamento
•
Os conteúdos da mente são as impressões e as ideias.
•
As impressões
correspondem aos dados da experiência, referem-se às nossas sensações externas e
aos nossos sentimentos.
•
As ideias
são as representações ou imagens debilitadas, enfraquecidas, das impressões.
•
A diferença entre as impressões e as ideias é de
grau e não de natureza; as ideias são cópias das impressões sensíveis.
•
Para Hume não há ideias inatas
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