Todos os raciocínios relativos aos factos parecem fundar-se na relação de causa e efeito. Só mediante esta relação podemos ir além do testemunho da nossa memória e dos nossos sentidos. Se perguntássemos a um homem porque acredita ele em alguma questão de facto que está ausente, por exemplo, que o seu amigo está no campo ou na França, fornecer-nos-ia uma razão e esta razão seria algum outro facto, como uma carta dele recebida ou o conhecimento das suas antigas resoluções e promessas. Um homem que encontrasse um relógio ou qualquer outra máquina numa ilha deserta concluiria que noutros tempos estiveram homens nessa ilha. Todos os nossos raciocínios acerca de factos são da mesma natureza. E aqui supõe-se constantemente que existe uma conexão entre o facto presente e aquele que dele é inferido. Se nada houvesse a ligá-los, a inferência seria inteiramente precária. A audição de uma voz articulada e de discurso racional na escuridão certifica-nos da presença de alguma pessoa. Porquê? Porque são efeitos da maneira de ser e da estrutura humanas, e intimamente a elas adstritos. Se analisamos todos os outros raciocínios desta natureza, veremos que se baseiam na relação de causa e efeito, e que esta relação é próxima ou remota, directa ou colateral. O calor e a luz são efeitos colaterais do fogo, e um efeito pode ser adequadamente inferido a partir do outro.
David Hume, Investigação Sobre o Entendimento Humano
Não há nenhuma impressão sensível da qual derive a ideia de causa
Mas observamos:
- A SUCESSÃO TEMPORAL
- A CONJUNÇÃO CONSTANTE ENTRE DOIS FENÓMENOS E CHAMAMOS CAUSA AO QUE PRECEDE E EFEITO AO QUE SUCEDE
Ao observar que um acontecimento A tem até agora sido sempre seguido do acontecimento B, acreditamos que, da próxima vez que ocorrer A, sucederá B.
- A OBSERVAÇÃO DESTA CONSTANTE CONJUGAÇÃO, LEVA-NOS A FORMAR A IDEIA DE CAUSA.
- A IDEIA DE CAUSA NÃO DERIVA DA OBSERVAÇÃO DE UM FENÓMENO MAS DO COSTUME, DO HÁBITO DE ESPERAR QUE B ACONTEÇA MAL VEMOS A ACONTECER.
Causalidade e conexão necessária
A ideia de causa é, pois, a base de todas as nossas inferências acerca dos factos de que não temos uma impressão atual. Mas que entendemos por causa? Como entendemos a relação causa/efeito quando pensamos que o fogo é a causa e o calor o efeito? Hume observa que esta relação se concebe normalmente como uma conexão necessária (isto é, que não pode não se dar) entre a causa e o efeito, entre o fogo e o calor: o fogo aquece necessariamente, e, portanto, sempre que ponhamos água ao lume, aquela aquecerá necessariamente. Visto que tal conexão é necessária, podemos conhecer com certeza que o efeito se produzirá necessariamente.
Crítica da ideia de conexão necessária
Não sejamos contudo tão precipitadamente optimistas e apliquemos o critério acima exposto a esta ideia de causa. Uma ideia verdadeira é aquela que corresponde a uma impressão. Ora, temos impressão que corresponda a esta ideia de conexão necessária entre dois fenómenos? Hume responde que não. Temos observado o fogo frequentemente e observado que em seguida aumentava a temperatura dos objectos situados junto dele, mas nunca observamos que entre os dois factos existe uma conexão necessária. A única coisa observável é que entre os dois factos se deu uma sucessão constante no passado, que sempre aconteceu o segundo depois do primeiro. Que além desta sucessão constante, exista uma conexão necessária entre os dois factos é uma suposição incomprovável. E como o nosso conhecimento acerca de factos futuros só teria justificação se entre aquilo a que chamamos causa e aquilo a que chamamos efeito existe uma conexão necessária, acontece que, para falar com propriedade, não sabemos que a água vai aquecer; acreditamos simplesmente que ela aquecerá.
Que o nosso pretenso conhecimento dos factos futuros por inferência causal não seja em rigor conhecimento, mas suposição ou crença, não significa que não estejamos absolutamente certos acerca dos mesmos: todos temos a certeza de que a água do nosso exemplo irá aquecer. Esta certeza, segundo Hume, provém do hábito, do costume de ter observado no passado que, sempre que aconteceu o primeiro, aconteceu também o segundo.
J.M. Cordon, T.C. Martinez, História da Filosofia
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