Mediante que argumento se poderia provar que as percepções da mente têm de ser causadas por objectos exteriores completamente diferentes delas, embora se lhes assemelhem (se isso for possível), e que não poderiam derivar, seja da força da própria mente, seja da sugestão de algum espírito invisível e desconhecido, seja de alguma causa ainda mais desconhecida? Reconhece-se que, de facto, muitas dessas percepções não surgem de algo exterior, como nos sonhos, na loucura e noutras doenças. [...]
Saber se as percepções dos sentidos são produzidas por objectos que se lhes assemelham constitui uma questão de facto. Como deve ser decidida esta questão? Pela experiência, certamente, como no caso de outras questões de idêntica natureza. Mas aqui a experiência permanece — e tem de permanecer — inteiramente em silêncio. Nada está jamais presente ao espírito a não ser as percepções, e ele não tem maneira de conseguir qualquer experiência da conexão das percepções com os objectos. A hipótese dessa conexão não tem, portanto, qualquer fundamento no raciocínio.
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Este é, portanto, um tópico em que os cépticos mais profundos e filosóficos sempre triunfam, quando se esforçam por introduzir uma dúvida universal em todos os objectos de conhecimento e investigação humanos. Seguis os instintos e tendências naturais, poderiam eles dizer, ao admitir a veracidade dos sentidos? Mas eles levam-vos a acreditar que a própria percepção, ou imagem sensível, é o objecto exterior. Recusais esse princípio, adoptando uma posição mais racional, segundo a qual as percepções são apenas representações de alguma coisa exterior? Mas aqui afastais-vos das vossas propensões naturais e das vossas crenças mais óbvias e, mesmo assim, não sois capazes de satisfazer a vossa razão, a qual continua a ser incapaz de encontrar, a partir da experiência, qualquer argumento convincente para provar que as percepções estão ligadas a quaisquer objectos exteriores.
David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano