Vieira da Silva, Partie d'échecs
Para quem gosta de
se interrogar sobre a arte, a Partie d’échecs adquire valor
exemplar.
Primeiro o quadro fascina-nos,
no sentido em que o nosso olhar é irresistivelmente atraído pelo tabuleiro em
si, mesmo ao meio, real e exato. Mas mal mergulhamos nele que, do centro da sua
teia, a feiticeira nos retem num universo que lhe é próprio. A partir do
tabuleiro, com minuciosas construções, ou como temas que, em música,
prosseguissem incansavelmente a mesma toada, os quadrados escapam, devoram os
personagens entrevistos, cobrem infinitamente todo o horizonte.
Julgo, no primeiro
instante, saber do que se trata. Quando estudo demoradamente um texto, as
questões que ele suscita são, para mim, as únicas questões; vejo-as por toda a
parte; e o mundo à volta desvanesce-se.
Há, contudo, uma
grande distância entre esta deformação subjectiva e a pintura, esta pintura. Se
os meus problemas e sonhos me escondem o mundo à volta, os do pintor
reformam-no e dão-lhe uma nova existência. Ora, essa criação, dir-se-ia que o
quadro a representa, manifesta: do centro para as margens a geometria
estilhaça-se com subtileza, doces praias amanhecem e a suavidade reina num
mundo reconquistado. A dureza do branco e do negro, bem como a do jogo todo
intelectual que é deste modo evocado, dá lugar a um cambiante onde parece que o
ar circula livremente.
O diálogo entre o centro e as extremidades figura exactamente a própria
história desse diálogo desigual entre o real e a arte, deixando à arte a última
palavra.
Jacqueline
de Romilly, Memória dos azulejos ou visão prismática do mundo in Vieira da
Silva, Centro Nacional de artes Plásticas, Paris
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