O argumento ontológico parte do conceito de Deus para concluir que Deus existe na realidade
Texto 1: A definição de Deus
Santo Anselmo começou por definir Deus como “alguma coisa maior do que a qual nada se pode pensar”. É importante perceber bem o significado da palavra “maior” nesta definição. Anselmo não está a dizer que Deus é a coisa maior que existe. “Maior” não tem aqui o significado comum de “maior em tamanho”, mas de maior em valor ou maior em perfeição. Assim, ao dizer que Deus é “alguma coisa maior do que a qual nada se pode pensar”, Santo Anselmo está a dizer que Deus é “alguma coisa com mais valor (ou mais perfeição) que se pode pensar”. (…) Tudo aquilo de que ele precisa para o seu argumento é desta definição geral, que afirma que quaisquer que sejam os atributos de Deus, ele possui-os em grau absoluto. Desta forma, Santo Anselmo não se limita a dizer que Deus tem certos atributos no grau mais elevado que podemos conceber, mas que ele tem todas as qualidades ou perfeições que podemos conceber em grau absoluto. É este o verdadeiro significado da definição de Santo Anselmo.
Álvaro Nunes, Filosofia da religião, in crítica (adaptado)
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Questão
1. Qual o significado da definição de Deus de Santo Anselmo?
Texto 2: Deus existe no pensamento
Estabelecida a definição de Deus, Santo Anselmo avança para a segunda fase do argumento. Algumas pessoas (como o insipiente do Salmo, 14, 1 da Bíblia), dizem que Deus não existe. As pessoas que fazem esta afirmação podem dessa forma estar a negar que Deus exista na realidade, mas não podem negar que ele exista na mente, uma vez que para negar a existência de qualquer coisa é necessário compreender aquilo de que se nega a existência, isto é, é preciso ter uma ideia disso na mente. Por exemplo, para negares que existam fantasmas tens de ter na tua mente uma ideia de fantasma. Sem uma ideia de fantasma ser-te-ia impossível negar a existência de fantasmas. Ora, isto também é verdadeiro para as pessoas que negam que Deus exista. Para o poderem fazer têm de ter na sua mente uma ideia de Deus. Assim, mesmo que o insipiente da Bíblia ou um ateu digam “Não há Deus”, para que o possam dizer, têm de ter nas suas mentes uma ideia de Deus.
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Questão
1. Por que razão Deus existe no nosso pensamento?
Texto 3: Argumento ontológico
Nós acreditamos, com efeito, que tu és “alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado” (…) “alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado” existe pelo menos no intelecto. (…) Mas, sem dúvida, “aquilo maior do que a qual nada pode ser pensado” não pode existir apenas no intelecto. Se, na verdade, existe pelo menos no intelecto, pode pensar-se que exista também na realidade, o que é ser maior. Como tal, se “aquilo maior do que a qual nada pode ser pensado” existe apenas no intelecto, então “aquilo maior do que a qual nada pode ser pensado”, é algo maior do que o qual algo pode ser pensado. Ora, [como é óbvio], isto é claramente impossível. Existe, pois, sem a menor dúvida “alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado”, tanto no intelecto, como na realidade”
Santo Anselmo, Proslogion
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Questões
1. Por que razão é a priori o argumento ontológico?
2. Apresente o argumento ontológico.
Texto 4: Deus existe no pensamento e na realidade
Será que Deus tem apenas esta existência mental que tanto o crente como o ateu lhe reconhecem?
Não, porque se Deus existisse apenas na mente, seria possível conceber um Deus maior, que existisse não apenas na mente mas também na realidade, uma vez que o que quer que, para além de existir na mente, exista também na realidade é maior (no sentido explicado acima de ter mais valor ou maior perfeição) do que aquilo que exista apenas na mente. Mas isto é impossível, visto que, como Deus é, por definição, “aquilo maior do que o qual nada se pode pensar” nada pode ser maior que Deus. Portanto, Deus existe não apenas na mente mas também na realidade.
Nesta última fase do argumento ontológico, Santo Anselmo faz uma a redução ao absurdo. A redução ao absurdo que Santo Anselmo faz é a seguinte:
Primeira premissa: Se “aquilo maior do que o qual nada se pode pensar” existisse apenas na mente, seguir-se-ia que “aquilo maior do que o qual nada se pode pensar” seria aquilo mesmo maior do que o qual alguma coisa se pode pensar.
Segunda premissa: Mas, isto, em virtude da própria definição de Deus, é impossível.
Conclusão: Portanto, é forçoso concluir que “aquilo maior do que o qual nada se pode pensar” existe não só na mente como também na realidade.
O argumento ontológico completo é, em esquema, o seguinte:
Primeira premissa (definição de Deus): Deus é “alguma coisa maior do que a qual nada se pode pensar”.
Segunda premissa: Mesmo aqueles que negam a existência de Deus têm Deus na sua mente.
Terceira premissa: Aquilo que existe na mente e na realidade é maior do que aquilo que existe apenas na mente.
Quarta premissa (primeira premissa da redução ao absurdo): Se “aquilo maior do que o qual nada se pode pensar” existir apenas na mente, segue-se que “aquilo maior do que o qual nada se pode pensar” é aquilo mesmo maior do que o qual alguma coisa se pode pensar.
Quinta premissa (segunda premissa da redução ao absurdo): É autocontraditório que “aquilo maior do que o qual nada se pode pensar” seja aquilo maior do que o qual alguma coisa se pode pensar.
Conclusão (da redução ao absurdo): Portanto, “aquilo maior do que o qual nada se pode pensar” existe tanto na mente como na realidade.
Conclusão: Portanto, Deus existe necessariamente.
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Questão
1. Explique por que razão “aquilo maior do que o qual nada se pode pensar” existe no pensamento e na realidade.
Deus é o «ser maior do que o qual nada pode ser pensado».
Deus existe, uma vez que se não existisse, não seria aquele ser maior do que o qual nada pode ser pensado.
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(1) Deus é o ser maior do que o qual nada pode ser pensado.
(2) Deus existe apenas no pensamento.
(3) Se Deus existe apenas no pensamento, então podemos conceber outro ser maior do que o qual nada pode ser pensado, nomeadamente, um ser que exista também na realidade.
Conclusão: Logo, é falso que Deus exista apenas no pensamento. Isto é, Deus existe também na realidade. Ou seja, Deus existe.
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Texto 5: A ilha perfeita
Por exemplo: diz-se que algures no oceano há uma ilha a que, por causa da dificuldade (ou antes, da impossibilidade) de encontrar o que não existe, foi dado o nome «Perdida». E segundo reza a história esta ilha é abençoada com todo o género de riquezas e deleites sem preço e em abundância, muito mais do que as Ilhas Felizes e, não tendo dono nem habitantes, é em tudo superior, na abundância de riquezas, a todas aquelas terras que os homens habitam. Ora, se alguém me disser que é assim, facilmente compreendo o que se diz, dado que não há qualquer dificuldade nisto. Mas se depois me disserem, como se fosse uma consequência lógica disto: Não podes duvidar que esta ilha, que é mais excelente do que todas as outras terras, verdadeiramente existe algures na realidade, tal como não podes duvidar que existe no teu espírito; e dado que é maior a excelência de existir não apenas no espírito mas também na realidade, tem necessariamente de existir. Pois se não existisse, qualquer outra terra existente na realidade seria mais excelente do que ela, e assim esta ilha, que já concebes como mais excelente do que as outras, não seria a mais excelente. Se alguém quiser persuadir-me de que esta ilha existe realmente para lá de qualquer dúvida, irei pensar que está a brincar ou terei dificuldade em decidir qual de nós é mais insensato – eu, se concordasse com ele, ou ele, se pensar que demonstrou a existência desta ilha com alguma certeza, a não ser que me tivesse convencido primeiro de que a sua própria excelência existe no meu espírito precisamente como uma coisa que existe verdadeiramente e indubitavelmente e não apenas como uma coisa irreal ou duvidosamente real.
Gaunilo de Marmoutiers, Em Defesa do Insensato
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Questões
1. Explique em que consiste a objeção de Gaunilo ao argumento ontológico de Santo Anselmo.
2. Explicite o argumento de Gaunilo.
2. Explicite o argumento de Gaunilo.
3. Explique outras objeções, que estudou) ao argumento ontológico.
Objeção de Gaunilo
Segundo Gaunilo, através da estrutura de argumento proposto por Santo Anselmo podemos concluir a existência de uma ilha perfeita, ou de um cavalo perfeito, ou de qualquer “coisa” perfeita.
Se definirmos a ilha perfeita como aquela ilha "maior do que a qual nenhuma outra pode ser pensada", então, também essa ilha tem de existir na realidade, caso contrário não seria absolutamente perfeita.
Assim, o argumento ontológico não funciona, porque não serve para estabelecer a existência de Deus.
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Objeção: A existência não é um predicado
Existir na realidade torna algo mais perfeito que existir apenas no pensamento
Mas a existência a não é um predicado.
Se a existência não é uma propriedade ou um predicado, então um ser maximamente perfeito não é maior se existir do que se não existir.
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Objeção: Falácia da petição de princípio
O argumento ontológico comete a falácia da circularidade ou da
petição de princípio:
Parte da definição de Deus como absolutamente perfeito, contendo todas
as perfeições, inclusive a existência na realidade, o que se conclui.
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