Argumento teleológico ou do desígnio

Por dentro dos relógios de luxo - GGN



         

O argumento clássico do desígnio baseia-se numa analogia entre artefactos (objectos criados pelos seres humanos) e a natureza.




           Texto 1: Argumento teleológico de Tomás de Aquino



Vemos que as coisas sem inteligência, como os corpos naturais, atuam tendo em vista uma finalidade, e isto é evidente a partir do facto de atuarem sempre, ou quase sempre, da mesma maneira, de modo a obter o melhor resultado. Assim, é óbvio que não é fortuitamente, mas antes com desígnio, que atingem as suas finalidades. Ora, o que não tem inteligência não pode direcionar-se a uma finalidade, a menos que seja direcionada por um ser dotado de conhecimento e inteligência, como a flecha é disparada para o alvo pelo arqueiro. Logo, existe um ser inteligente por meio do qual todas as coisas naturais são direcionadas para as suas finalidades; e é a este ser que chamamos Deus. 
                                                                   Tomás de Aquino, Suma teológica


            1. Por que razão o argumento do desígnio é a posteriori?
            2. Apresente (explicitando) o argumento presente no texto.



          Texto 2: Argumento teleológico ou do desígnio (versão de William Paley)



Supõe que ao atravessar uma mata, tropeço numa pedra e me perguntam como foi ela parar ali. Poderia talvez responder que, tanto quanto me é dado a saber, a pedra sempre ali esteve; e talvez não fosse muito fácil mostrar o absurdo desta resposta. 
Mas suponha-se que eu tinha encontrado um relógio no chão e procurava saber como podia ele estar naquele lugar. Muito dificilmente me poderia ocorrer a resposta que tinha dado antes ― que, tanto quanto me era dado saber, o relógio poderia sempre ali ter estado. Contudo, por que razão esta resposta, que serviu para a pedra, não serve para o relógio? Por que razão não é esta resposta tão admissível no segundo caso como no primeiro? Por esta razão e por nenhuma outra: a saber, quando inspecionamos o relógio, vemos (o que não poderia acontecer no caso da pedra) que as suas diversas partes estão forjadas e associadas com um propósito; por exemplo, vemos que as suas diversas partes estão fabricadas e ajustadas de modo a produzir movimento e que esse movimento está regulado de modo a assinalar a hora do dia; e vemos que se as suas diversas partes tivessem uma forma diferente da que têm, se tivessem um tamanho diferente do que têm ou tivessem sido colocadas de forma diferente daquela em que estão colocadas ou se estivessem colocadas segundo outra ordem qualquer, a máquina não produziria movimento ou não produziria movimento que servisse para o que este serve.

Tendo este mecanismo sido observado […], pensamos que a inferência é inevitável: o relógio teve de ter um criador; teve de existir num tempo e num ou noutro espaço, um artífice ou artífices que o fabricaram para o propósito que vemos ter agora e que compreenderam a sua construção e projetaram o seu uso. […] Pois todo o sinal de invenção, toda a manifestação de desígnio, que existia no relógio, existe nas obras da natureza, com a diferença de que na natureza são mais, maiores e num grau tal que excede toda a computação. Quero dizer que os artefactos da natureza ultrapassam os artefactos da arte em complexidade, em subtileza e em curiosidade do mecanismo; e, se possível, ainda vão mais além deles em número e diversidade; e, no entanto, num grande número de casos não são menos claramente mecânicos, não são menos claramente artefactos, não são menos claramente adequados ao seu fim ou menos claramente adaptados à sua função do que as produções mais perfeitas do engenho humano. […] Em suma, após todos os esquemas e lutas de uma filosofia relutante, temos necessariamente de recorrer a uma Deidade. Os sinais de desígnio são demasiado fortes para serem ignorados. O desígnio tem de ter um projetista. Esse projetista tem de ser uma pessoa. Essa pessoa é DEUS”.
                                                                              William Paley, Teologia Natural

            Questão
             1.  Por que razão defende Paley que a resposta sobre a origem do relógio não pode ser igual                                            à resposta sobre a origem da pedra? 
             2. Explique a analogia estabelecida por Paley.
             3. Apresente as premissas e conclusão da versão de William Paley, do argumento do desígnio.
           



ideia básica por detrás do argumento do desígnio:

Tal como os relógios, os seres vivos e a natureza possuem uma estrutura complexa e as suas partes apresentam um ajuste perfeito, por isso, à semelhança do que acontece com os primeiros, também os últimos devem ter um criador inteligente.


         
A Analogia do Relojoeiro
1)      As características específicas de um relógio devem-se a um relojoeiro ou devem-se ao acaso.
2)      Mas tais características não se devem ao acaso.
3)      Logo, tais características devem-se a um relojoeiro
1)      As maravilhas da natureza devem-se ou a uma conceção de Deus ou devem-se ao acaso.
2)      Mas tais maravilhas não se devem ao acaso.
3)      Logo, tais maravilhas devem-se a uma conceção de Deus.

          Texto 3: Probabilidade de Deus - Argumento da afinação minuciosa



O universo, pelo ficámos a saber graças aos avanços na física cosmológica, está minuciosamente afinado para a existência de vida inteligente. Isto significa, por exemplo, que o seguinte parece ser verdade a respeito de várias constantes físicas: se estas tivessem assumido valores ligeiramente diferentes, nunca poderia ter surgido alguma vez vida racional, nem sequer outras formas de vida.
Para tornar imediatamente percetível esta afinação minuciosa do universo, podemos recorrer à fantasia sugestiva, proposta por Peter van Inwagen (2009: 184), de uma máquina capaz de gerar um universo. Imagine-se que foi dessa máquina, onde podemos ver algumas dezenas de mostradores com ponteiros, que resultou o nosso universo. A posição dos ponteiros definiu a sua estrutura básica, pelo que, se os ponteiros tivessem ficado noutra posição, a 2 máquina teria gerado um universo com uma estrutura básica diferente (…)
Poder-se-á concluir, então, que a máquina está minuciosamente afinada para a existência de vida racional. Entre todos os universos que esta poderia ter gerado, só uma fração incrivelmente ínfima permitiria a existência de vida racional ----- e os ponteiros, surpreendentemente, ficaram posicionados de modo a que surgisse um desses universos.
O que haveremos de inferir perante esta situação? É logicamente possível, sem dúvida, que a posição dos ponteiros tenha resultado apenas de um acaso bruto. Porém, dada a minúcia extrema da afinação, esta hipótese afigura-se muito pouco credível, para dizer o mínimo. Uma hipótese mais atraente é que alguém afinou a máquina com a intenção de criar um universo capaz de alojar vida racional. Ou seja, a afinação minuciosa dever-se-á à existência de um afinador. (…)

    Pedro Galvão, A Probabilidade de Deus: O Argumento da Afinação Minuciosa




Afinação minuciosa
As constantes físicas estão minuciosamente afinadas para a existência da vida.


  • A afinação minuciosa do universo deve-se ou ao acaso ou a um designer
  • Mas não se deve ao acaso
  • Logo, deve-se a um designer




           Texto 4: Características do argumento do desígnio


O argumento do desígnio é um dos argumentos mais usados pelos teístas para defender a existência de Deus. De acordo com este argumento, o modo regular, ordenado e complexo como o universo está organizado revelam o desígnio de um ser divino criador do universo. Mais concretamente, os “sinais do desígnio” (do original “marks of design”, expressão utilizada em Mackie 1982 para designar os fenómenos e objetos naturais como provas do desígnio) são os seguintes:
  1. Todos aqueles objetos naturais que se assemelham a máquinas feitas pelo homem;
  2. O modo como as partes na natureza se juntam e se combinam entre si; e
  3. A adaptação dos meios aos fins.
Destes “sinais do desígnio”, estabelecendo uma analogia entre os desígnios e as obras humanas e os desígnios e obras divinas, os teístas inferem a existência de um autor divino cuja inteligência e planeamento sejam de algum modo análogos às dos humanos. Esse autor é Deus, o suposto criador do universo.
Do argumento do desígnio, destacam-se as seguintes características: é um argumento
  1. A posteriori;
  2. Teleológico;
  3. Por analogia; e
  4. Probabilístico.
É a posteriori, porque parte de dados empíricos — a observação empírica do modo complexo e regular como o universo está ordenado e, mais concretamente, dos “sinais do desígnio” — para deles inferir a existência de Deus; é teleológico, uma vez que pressupõe que o universo existe segundo um fim, e que esse fim é um desígnio de Deus; é por analogia, porque é muitas vezes formulado e sustentado com analogias, sendo exemplo disso o clássico argumento por analogia do relojoeiro (que apresentarei e discutirei mais adiante); e é probabilístico, porque a argumentação baseia-se sempre em (e depende de) probabilidades, nomeadamente a probabilidade de que
  1. A ordem, a complexidade e a regularidade do universo resultem de um desígnio;
  2. De que certos objetos e acontecimentos naturais sejam sinais desse desígnio;
  3. E de que, por último, dada a evidência desse desígnio, Deus exista de facto, pois só Deus o poderia planear e realizar.
Ao analisar e discutir o argumento do desígnio, demonstrarei que, seja qual for o modo como for formulado, é um argumento inválido, com muitas fragilidades e incorrecções, que não serve para provar a existência de Deus. (...)
                     
     
           Questões:
            1. Quais os sinais que revelam o desígnio de um ser divino e criador do universo?
            2. Quais as características do argumento do desígnio?



           Texto 5: O argumento do desígnio ou argumento teleológico



Argumento do Desígnio (também conhecido como Argumento Teleológico) parte do facto de que o universo comporta toda a espécie de padrões ou de regularidades, tão diferentes como os intrincados padrões dos flocos de neve, a lei da atracção universal e a maravilhosa complexidade do corpo humano. Algumas espécies de ordem (como, por exemplo, a ordem num mecanismo de um relógio de pulso ou na construção de uma represa por um castor) são explicadas pelo homem ou por outros animais. Mas muitas regularidades não podem ser explicadas dessa maneira; por exemplo, a ordem dos cristais ou a constância do ponto de fusão de cada uma das diferentes espécies de elementos. O argumento do desígnio postula um deus para explicar essas espécies de ordem que não são explicadas de outra maneira. Eis uma versão do argumento do desígnio:

  1. Há ordem no universo.
  2. Mas a ordem não pode existir sem desígnio. (Isto é, sem um projetista).
  3. ∴ Logo, tem de haver um projetista: Deus.
A força psicológica e apelativa do argumento é óbvia. A estonteante e maravilhosa complexidade de algo como o corpo humano parece exigir um projetista — um ser que calculou como funcionaria e depois o compôs. Nem a teoria da evolução satisfaz esta necessidade, dado que os detalhes de tais teorias dependem de leis da física e da química que, elas mesmas, exibem maravilhosas regularidades. No entanto, o argumento tem deficiências sérias ou mesmo fatais.



     

         Texto 6: Hume - A Analogia Fraca


Uma das críticas de Hume ao argumento do desígnio é dirigida à analogia entre os objectos produzidos pelos seres humanos e os objetos naturais. Segundo Hume, quanto maior for a semelhança entre os objetos que o argumento por analogia compara mais forte é a analogia. 

Quando a semelhança entre os objetos é total, a força do argumento é máxima e nesses casos é possível a partir daquilo que sabemos acerca de uns objetos concluir algo acerca dos outros com toda a certeza. Quando isso não acontece, a analogia é fraca e tão mais fraca quanto maiores as diferenças entre os objetos comparados. Diz Hume: 

“Observámos milhares e milhares de vezes que uma pedra cai, que o fogo queima, que a terra tem solidez; e quando uma nova instância desta natureza ocorre, tiramos sem hesitar a inferência habitual. A exacta semelhança dos casos dá-nos a certeza absoluta de um acontecimento semelhante e nunca desejamos nem procuramos uma evidência mais forte. Mas, sempre que vos afasteis, por pouco que seja, da similaridade dos casos, diminuís proporcionalmente a evidência e podeis por fim reduzi-la a uma analogia muito fraca, que está manifestamente sujeita ao erro e à incerteza”. (Diálogos, p. 30). 

O que Hume está aqui a fazer é a enunciar as condições que um argumento por analogia tem de cumprir para ser bom: 1) as semelhanças entre os objetos comparados têm de ser fortes; 2) quanto menos diferenças relevantes entre os objetos existirem melhor; 3) as semelhanças têm de ser relevantes para aquilo que se quer concluir com o argumento. Ora, pensa Hume, o argumento do desígnio não cumpre estas condições. O universo é muito diferente de qualquer objeto produzido pelo homem, pelo que a analogia é, assim, extremamente fraca e, embora existam semelhanças, as diferenças são tão gritantes que é impossível ter a certeza da verdade da conclusão. “A dissimilitude ― diz Hume ― é tão impressionante que o máximo a que podeis aspirar neste ponto é a uma suposição, uma conjetura, uma presunção a respeito duma causa similar”. (Diálogos, p. 31).
                                                  Álvaro Nunes, Filosofia da Religião, in Crítica

          Questão:
          1. Explique a objeção de Hume ao argumento do desígnio.

          Texto 7: Darwin: a seleção natural



Por que razão constitui a seleção natural, uma objeção ao argumento do desígnio? Porque explica a complexidade dos organismos vivos sem recorrer ao propósito ou ao desígnio e, portanto, sem uma causa inteligente sobrenatural que seja a origem deste desígnio. Por outras palavras, a teoria da seleção natural explica os organismos vivos por uma causalidade mecânica e não por uma causalidade pessoal e mental. O olho humano, que, segundo Paley, por si só seria prova de um desígnio e de um criador inteligente, é afinal explicado por um processo natural. O desígnio da natureza é, portanto, um desígnio aparente e não real.

                                                         Álvaro Nunes, Filosofia da religião, in Crítica






Stephen Hawking: A ciência que o tornou famoso - Elton Wade - Medium
Stephen Hawking (1942- 2018)
Teoria do multiverso



Para explicar a afinação minuciosa coloca-se um falso dilema:

A afinação minuciosa deve-se a um designer ou ao acaso
Mas não se deve ao acaso
Logo, deve-se a um designer

Mas há uma terceira hipótese: Multiverso

Existem muitos universos distintos com constantes físicas e leis naturais diferentes.
Assim é possível surgir, por acaso, um universo onde existem os valores certos para a existência de vida.




           Objeções ao argumento do desígnio


Analogia fraca
  1.     Existem diferenças relevantes entre os artefactos e a natureza
  2.     As semelhanças entre ambos não são suficientemente relevantes para que a analogia seja eficaz.
A singularidade do universo
1.       Conhecemos a causa habitual de um relógio, por comparação com outros exemplos conhecidos
2.       Mas não temos conhecimento de outros universos e dos seus processos de criação
3.       A nossa inferência não é tão segura no caso do universo como acontece no caso dos relógios.
Não conclui a existência de um Deus teísta
  1.     A conceção e a criação do universo podem ser obra de várias entidades
  2.     As falhas que o mundo apresenta podem ser encaradas como uma prova de que este não é obra de um ser perfeito.
A crítica Darwinista
1.       A seleção natural explica a complexidade dos organismos vivos sem invocar a ideia de um propósito ou de um desígnio.
2.       Recorre a processos naturais: as leis da física aplicadas aos seres vivos.





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