Unidade:
Racionalidade argumentativa da filosofia e a dimensão discursiva do trabalho
filosófico
Temas: Tese, argumento,
validade, verdade e solidez.
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1. O que é um argumento?
Um argumento é um conjunto de proposições que utilizamos
para justificar (provar, dar razão, suportar) algo. A proposição que queremos
justificar tem o nome de conclusão; as proposições que pretendem apoiar a
conclusão ou a justificam têm o nome de premissas.
Supõe que queres pedir aos teus
pais um aumento da “mesada”. Como justificas este aumento? Recorrendo a
razões, não é? Dirás qualquer coisa como:
Os preços no bar da escola
subiram; como eu lancho no bar da escola, o lanche fica me mais caro.
Portanto, preciso de um aumento da “mesada”.
Temos aqui um argumento, cuja
conclusão é: “preciso de um aumento da 'mesada'”. E como justificas esta
conclusão? Com a subida dos preços no bar da escola e com o facto de
lanchares no bar. Então, estas são as premissas do teu argumento, são as
razões que utilizas para defender a conclusão.
Este exemplo permite-nos esclarecer
outro espeto dos argumentos, que é o seguinte: embora um argumento seja um
conjunto de proposições, nem todos os conjuntos de proposições são
argumentos. Por exemplo, o seguinte conjunto de proposições não é um
argumento:
Eu lancho no bar da escola, mas
o João não.
A Joana come pipocas no cinema.
O Rui foi ao museu.
Neste caso, não temos um
argumento, porque não há nenhuma pretensão de justificar uma proposição com
base nas outras. Nem há nenhuma pretensão de apresentar um conjunto de
proposições com alguma relação entre si. Há apenas uma sequência de
afirmações. E um argumento é, como já vimos, um conjunto de proposições em
que se pretende que uma delas seja sustentada ou justificada pelas outras — o
que não acontece no exemplo anterior.
Um argumento pode ter uma ou
mais premissas, mas só pode ter uma conclusão.
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Um argumento é um conjunto de
proposições* organizado de tal modo em que uma delas (conclusão) é apoiada
pelas outras proposições (premissas).
Um argumento é composto por:
‒
Uma conclusão (a ideia que defendemos)
‒
Premissas (ideias que usamos para defender a
conclusão)
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* proposições aqui
Indicadores de conclusão
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Porque…
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Logo…
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Pois…
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Portanto…
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Dado que…
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Por isso…
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Sendo que…
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Daí que…
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Devido a…
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Consequentemente…
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A razão é que…
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Conclui-se que…
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…
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…
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Explicitação de argumentos
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1.
Identificar a conclusão
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2.
Identificar as premissas
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3.
Completar o argumento (caso tenha premissas
implícitas)
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4.
Escrever cada uma das premissas (numa linha
diferente)
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5.
Escrever a conclusão no final (a seguir à palavra “logo”)
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Questões (1)
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1. O que é um argumento?
2. O que distingue "premissa" de "conclusão"? 3. O que é uma proposição?
2. Explicite os seguintes argumentos:
2.1. Todos os seres humanos são racionais, pois todos os seres humanos são pessoas e todas as pessoas são racionais.
2.2. O
Pedro é licenciado porque é professor.
2.3. Sabemos
que a Ana não está na praia e ela própria disse que não está a viajar. Portanto,
não está de férias, uma vez que se a Maria estivesse de férias, estaria na
praia ou a viajar.
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2. Verdade e validade
A verdade é uma propriedade das proposições. A
validade é uma propriedade dos argumentos. É incorreto falar em proposições
válidas. As proposições não são válidas nem inválidas. As proposições só
podem ser verdadeiras ou falsas. Também é incorreto dizer que os argumentos
são verdadeiros ou que são falsos. Os argumentos não são verdadeiros nem
falsos. Os argumentos dizem-se válidos ou inválidos.
Quando é que um
argumento é válido? Por agora, referirei apenas a validade dedutiva. Diz-se
que um argumento dedutivo é válido quando é impossível que as suas premissas
sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Repara que, para um argumento ser
válido, não basta que as premissas e a conclusão sejam verdadeiras. É preciso
que seja impossível que sendo as premissas verdadeiras, a conclusão seja falsa.
Considera o seguinte argumento:
Premissa 1: Alguns treinadores de futebol ganham
mais de 100000 euros por mês.
Premissa 2: O Mourinho é um treinador de futebol.
Conclusão: Logo, o Mourinho ganha mais de 100000
euros por mês.
Neste momento (julho de 2004), em que o Mourinho é
treinador do Chelsea e os jornais nos informam que ganha muito acima de
100000 euros por mês, este argumento tem premissas verdadeiras e conclusão
verdadeira e, contudo, não é válido. Não é válido, porque não é impossível
que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Podemos perfeitamente
imaginar uma circunstância em que o Mourinho ganhasse menos de 100000 euros
por mês (por exemplo, o Mourinho como treinador de um clube do campeonato
regional de futebol, a ganhar 1000 euros por mês), e, neste caso, a conclusão
já seria falsa, apesar de as premissas serem verdadeiras. Portanto, o
argumento é inválido.
Considera, agora, o seguinte argumento,
anteriormente apresentado:
Premissa: O João e o José são alunos do 11.º ano.
Conclusão: Logo, o João é aluno do 11.º ano.
Este argumento é válido, pois é impossível que a
premissa seja verdadeira e a conclusão falsa. Ao contrário do argumento que
envolve o Mourinho, neste não podemos imaginar nenhuma circunstância em que a
premissa seja verdadeira e a conclusão falsa. Podes imaginar o caso em que o
João não é aluno do 11.º ano. Bem, isto significa que a conclusão é falsa,
mas a premissa também é falsa.
Repara, agora, no seguinte argumento:
Premissa 2: Nove é um número primo.
Conclusão: Logo, nove é um número par.
Este argumento é válido, apesar de quer as
premissas quer a conclusão serem falsas. Continua a aplicar-se a noção de
validade dedutiva anteriormente apresentada: é impossível que as premissas
sejam verdadeiras e a conclusão falsa. A validade de um argumento dedutivo
depende da conexão lógica entre as premissas e a conclusão do argumento e não
do valor de verdade das proposições que constituem o argumento. Como vês, a
validade é uma propriedade diferente da verdade. A verdade é uma propriedade
das proposições que constituem os argumentos (mas não dos argumentos) e a
validade é uma propriedade dos argumentos (mas não das proposições).
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a) Argumentos dedutivos - validade dedutiva
A verdade é uma propriedade das proposições
A validade é uma propriedade dos argumentos
Argumentos dedutivos são aqueles onde a conclusão é uma consequência lógica das premissas (segue-se das premissas com necessidade). Estes argumentos pertencem à lógica formal.
Validade dedutiva:
‒ Forma lógica correta – a conclusão é uma consequência lógica das premissas
‒ Num argumento dedutivamente válido é impossível as premissas serem verdadeiras e conclusão falsa
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Premissas
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Conclusão
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Avaliação
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Verdadeiras
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Verdadeira
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Pode
ser válido ou inválido
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Falsas
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Falsa
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Pode
ser válido ou inválido
|
Falsas
|
Verdadeira
|
Pode
ser válido ou inválido
|
Verdadeiras
|
Falsa
|
NÃO
PODE SER VÁLIDO
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Validade, solidez e cogência
Argumentos sólidos:
Quando
argumentamos, não basta que os argumentos sejam válidos, mas interessa que as
premissas sejam efetivamente verdadeiras para que a conclusão o seja,
necessariamente. Um argumento sólido é um argumento válido com premissas
verdadeiras.
Argumentos cogentes:
Para além de sólido, é necessário
que as premissas sejam mais plausíveis que a conclusão.
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Argumentos
válidos
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Premissas
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Conclusão
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ARGUMENTO SÓLIDO
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Verdadeiras
|
Verdadeira
|
SIM
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Falsas
|
Falsa
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NÃO
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|
Falsas
|
Verdadeira
|
NÃO
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b) Validade não dedutiva
Argumentos não dedutivos são aqueles onde a conclusão não se segue com necessidade das premissas, mas com probabilidade. Num argumento não dedutivo válido é improvável (mas não impossível) que as premissas sejam verdadeiras a conclusão falsa . |
Questões (2)
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1.
Distinga argumentos dedutivos de argumentos não
dedutivos.
2.
O que é um argumento dedutivamente válido?
3.
Seleciona a opção correta, atendendo à distinção
entre validade e verdade.
(A) A validade diz respeito ao conteúdo e a
verdade ao contexto.
(B) A validade diz respeito aos argumentos e a
verdade às proposições.
(C) A verdade diz respeito aos argumentos e a
validade às proposições.
(D) A verdade
diz respeito à forma e a validade ao conteúdo.
4.
Qual das seguintes afirmações relaciona verdade e
validade?
(A) As proposições são verdadeiras ou
falsas e não válidas ou inválidas.
(B) Os argumentos são válidos ou
inválidos e não verdadeiros ou falsos.
(C) Num argumento dedutivamente válido
a verdade das premissas garante a verdade da conclusão.
(D) Num argumento dedutivamente
válidos as premissas e a conclusão são verdadeiras.
5. Indique as proposições
verdadeiras.
(A) Só as frases declarativas exprimem
proposições.
(B) Nos argumentos dedutivos válidos,
a conclusão é uma probabilidade.
(C) Os
argumentos podem ser verdadeiros ou falsos.
(D) A
validade ou invalidade de um argumento dedutivo depende da sua forma lógica.
(E) Há
argumentos válidos com premissas falsas e conclusão verdadeira.
(F) Um
argumento dedutivamente válido tem a conclusão verdadeira.
(G) Há
argumentos válidos com premissas verdadeiras e conclusão falsa.
(H) Um
argumento é sólido se tiver premissas verdadeiras.
6. Qual das seguintes opções conclui corretamente
a afirmação “um argumento válido…”
(A) tem de ter premissas verdadeiras.
(B) tem de ter pelo menos uma premissa
verdadeira.
(C) pode ter premissas falsas.
(D) não pode ter proposições falsas.
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Texto 3 - Verdade e validade
As partes relevantes de um
argumento são, em primeiro lugar as suas premissas. As premissas são o ponto
de partida, ou o que se aceita ou presume, no que respeita ao argumento. Um
argumento pode ter uma ou várias premissas. A partir das premissas, os
argumentos derivam uma conclusão.
Se estamos a refletir sobre um
argumento, talvez por termos relutância em aceitar a sua conclusão, temos
duas opções. Em primeiro lugar, podemos rejeitar uma ou mais das suas
premissas. Em segundo lugar, podemos também rejeitar o modo como a conclusão
é extraída das premissas. A primeira reação é que uma das premissas não é
verdadeira. A segunda é que o raciocínio não é válido. É claro que o mesmo
argumento pode estar sujeito a ambas as críticas: as premissas não são
verdadeiras e o raciocínio aplicado é inválido. Mas as duas críticas são
distintas (e as duas expressões, «não é verdadeira» e «não é válido» marcam
bem a diferença.
No dia-a-dia, os argumentos também são
criticados noutros aspetos. As premissas podem não ser muito sensatas. É uma
tolice apresentar um argumento intrincado a partir da premissa de que eu vou
ganhar a lotaria da próxima semana se não houver qualquer hipótese de isso
acontecer. É muitas vezes inapropriado recorrermos a premissas que sejam,
elas mesmas, controversas. Não revela qualquer tato nem é de bom gosto
argumentar a favor de certas coisas em certas circunstâncias. Mas «lógico»
não é sinónimo de «sensato». A lógica interessa-se em saber se os argumentos
são válidos, e não se são sensatos. E vice-versa, muitas das pessoas a que
chamamos «ilógicas» podem até usar argumentos válidos, mas que são patetas
por outros motivos.
A lógica só tem uma preocupação:
saber se não há maneira de as premissas serem verdadeiras e a conclusão
falsa.
Simon Blackburn, Pense, Uma Introdução à Filosofia
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