Introdução à filosofia e ao filosofar




Unidade: Introdução à filosofia e ao filosofar
Temas: O que é a filosofia?
              As questões filosóficas.




     Texto 1 - A atividade filosófica



A filosofia é uma atividade: é uma forma de pensar acerca de certas questões. A sua característica mais marcante é o uso de argumentos lógicos. A atividade dos filósofos é, tipicamente, argumentativa: ou inventam argumentos, ou criticam os argumentos de outras pessoas ou fazem as duas coisas. Os filósofos também analisam e clarificam conceitos. (...)

Que tipo de coisas discutem os filósofos(...)? Muitas vezes, examinam crenças que quase toda a gente aceita acriticamente a maior parte do tempo. Ocupam-se de questões relacionadas com o que podemos chamar vagamente «o sentido da vida»: questões acerca da religião, do bem e do mal, da política, da natureza do mundo exterior, da mente, da ciência, da arte e de muitos outros assuntos. Por exemplo, muitas pessoas vivem as suas vidas sem questionarem as suas crenças fundamentais, tais como a crença de que não se deve matar. Mas por que razão não se deve matar? Que justificação existe para dizer que não se deve matar? Não se deve matar em nenhuma circunstância? E, afinal, que quer dizer a palavra «dever»? Estas são questões filosóficas. Ao examinarmos as nossas crenças, muitas delas revelam fundamentos firmes; mas algumas não. O estudo da filosofia não só nos ajuda a pensar claramente sobre os nossos preconceitos, como ajuda a clarificar de forma precisa aquilo em que acreditamos. Ao longo desse processo desenvolve-se uma capacidade para argumentar de forma coerente sobre um vasto leque de temas -- uma capacidade muito útil que pode ser aplicada em muitas áreas.

                                                                   Nigel Warburton, Elementos Básicos de Filosofia



Questões 1

1. Explique, a partir do texto, em que consiste a atividade filosófica.

2. Diga, a partir do texto, por que razão a filosofia é uma atividade crítica.




    Texto 2 - O caráter conceptual da filosofia



Pensemos (...) numa afirmação como “Nenhum objeto pode viajar mais depressa do que a luz”. As afirmações das ciências empíricas são afirmações do género desta: afirmações que se referem ao mundo que podemos observar pelos sentidos ou que podemos inferir a partir de observações e medições complicadas realizadas com instrumentos como um espectrómetro ou um radiotelescópio. Mas por mais que façamos medições e observações não iremos descobrir se os animais têm direitos, nem se Deus existe, nem se há números.
Ao contrário da física e da biologia, a filosofia não tem um carácter empírico; é um estudo conceptual. Neste aspeto, a filosofia é mais parecida com a matemática, que também não é uma disciplina empírica. Mas a filosofia distingue-se da matemática por várias razões. Em primeiro lugar, não dispõe de métodos formais de demonstração, como a matemática; em segundo lugar, não se ocupa do tipo de problemas de que se ocupa a matemática. Mas de que tipo de problemas se ocupa afinal a filosofia?
(…) O que distingue os problemas da filosofia dos problemas da ciência é o seu carácter conceptual, a sua generalidade e a inexistência de fronteiras precisas. Os problemas da matemática são também bastante gerais e em grande medida conceptuais — mas têm fronteiras muito precisas. Não se pode determinar matematicamente se os animais têm direitos; não se pode determinar matematicamente se Deus existe — e nem sequer se pode determinar matematicamente se os números existem independentemente de nós. Qualquer problema com suficiente generalidade, de carácter conceptual e para a solução do qual não exista qualquer ciência pode ser um problema filosófico. Os problemas da matemática têm fronteiras muito claras: têm de poder ser resolvidos pelos métodos formais da matemática. Em filosofia, pelo contrário, não há métodos formais para resolver problemas.
(…) Uma das características da filosofia é o facto de não ser uma investigação empírica, como já sublinhei; para saber se os animais têm direitos ou se Deus existe, não tenho de fazer trabalho científico de campo, não tenho de fazer experiências em laboratórios, nem tenho de elaborar inquéritos, nem tenho de fazer estatísticas; limito-me a pensar. Posso ter de usar dados empíricos fornecidos pelas ciências; mas não compete à filosofia fazer o levantamento desses dados.
                                                              Desidério Murcho, O que é a Filosofia?, in Crítica


Questões 2

1. Explique, partir do texto, em que consiste o caráter conceptual da filosofia.

2. A partir do texto, distinga os problemas da filosofia dos problemas da matemática.





    Texto 3 - As questões da filosofia



A filosofia é diferente da ciência e da matemática. Ao contrário da ciência, não assenta em experimentações nem na observação, mas apenas no pensamento. E ao contrário da matemática não tem métodos formais de prova. A filosofia faz-se colocando questões, argumentando, ensaiando ideias e pensando em argumentos possíveis contra elas, e procurando saber como funcionam realmente os nossos conceitos.

A preocupação fundamental da filosofia é questionar e compreender ideias muito comuns que usamos todos os dias sem pensar nelas. Um historiador pode perguntar o que aconteceu em determinado momento do passado, mas um filósofo perguntará: “O que é o tempo?” Um matemático pode investigar as relações entre os números, mas um filósofo perguntará: “o que é um número?” Um físico perguntará o que constitui os átomos ou o que explica a gravidade, mas um filósofo irá perguntar como podemos saber que existe qualquer coisa fora das nossas mentes. Um psicólogo pode investigar como as crianças aprendem uma linguagem, mas um filósofo perguntará: “Que faz uma palavra significar qualquer coisa?” Qualquer pessoa pode perguntar se entrar num cinema sem pagar está errado, mas um filósofo perguntará: “O que torna uma ação boa ou má?”

Não poderíamos viver sem tomar como garantidas as ideias de tempo, número, conhecimento, linguagem, bem e mal, a maior parte do tempo; mas em filosofia investigamos essas mesmas coisas. O objetivo é levar o conhecimento do mundo e de nós um pouco mais longe. É óbvio que não é fácil. Quanto mais básicas são as ideias que tentamos investigar, menos instrumentos temos para nos ajudar. Não há muitas coisas que possamos assumir como verdadeiras ou tomar como garantidas. Por isso, a filosofia é uma atividade de certa forma vertiginosa, e poucos dos seus resultados ficam por desafiar por muito tempo.

                                                            Thomas Nagel, O que quer dizer tudo isto?



       O que é a filosofia - caracterização


  A filosofia é uma atividade crítica que examina as crenças básicas recorrendo fundamentalmente ao pensamento. O filósofo formula problemas (conceptuais) e responde com teorias defendidas por argumentos.
  Os problemas filosóficos não são empíricos não se resolvem com base na observação e na experiência, mas resolvem-se recorrendo apenas ao pensamento (tal como os problemas da matemática e ao contrário da ciência).
   A filosofia é um estudo conceptual e a priori, mas não ignora os resultados das ciências empíricas.
    A filosofia não dispõe de meios formais de prova (ao contrário da matemática) e, por isso, recorre à discussão crítica e à argumentação.





     Elementos da Filosofia


      Problemas – Formulação de problemas (conceptuais).
      Conceitos - Análise e utilização de conceitos.
      Teorias – Respostas aos problemas
    Argumentos – Defender as teorias ou teses com razões, argumentos ou responder a objeções












    As perguntas da filosofia


Eis algumas perguntas que qualquer um de nós pode fazer sobre nós próprios. O que sou eu? O que é a consciência? Será que eu poderia sobreviver à morte do meu corpo? Será que posso ter a certeza de que as experiências e sensações das outras pessoas são como as minhas? Se eu não posso partilhar as experiências das outras pessoas, será que posso comunicar com elas? Será que agimos sempre em função do nosso interesse próprio? Será que sou apenas uma espécie de fantoche, programado para fazer as coisas que penso fazer em função do meu livre-arbítrio?

Eis algumas perguntas sobre o mundo. Por que razão existe algo e não o nada? Qual a diferença entre o passado e o futuro? Por que razão a causalidade acontece sempre do passado para o futuro, ou será que faz sentido pensar que o passado pode ser influenciado pelo futuro? Por que razão é a natureza regular? Será que o mundo pressupõe um criador? E se pressupõe, será que podemos compreender por que razão ele o criou?

Por fim, eis algumas perguntas sobre nós e o mundo. Como poderemos ter a certeza de que o mundo é realmente como pensamos que é? O que é o conhecimento e que quantidade de conhecimento temos? O que faz de uma área de investigação uma ciência? (Será a psicanálise uma ciência? E a economia? Como poderemos saber se as nossas opiniões são objetivas ou apenas subjetivas?
                                                                                
                                                                    Simon Blackburn, Pense, Gradiva



DisciplinasFilosóficas

Problemas/questões (exemplos)


Ética

Estuda questões que resultam da relação das nossas ações com os conceitos de bem e de mal
Em que consiste o bem e o mal?
O que faz com que uma ação seja moralmente correta?
Os animais têm direitos?
O certo e o errado variam com os indivíduos e com as culturas?
Filosofia Política
Deverá o estado intervir na vida das pessoas?
Como deve a riqueza ser distribuída?
Como devemos agir perante leis injustas?

Estética

Estuda as questões relacionadas com os juízos sobre a beleza
Será a beleza uma propriedade dos objetos ou uma projeção dos sujeitos ou das culturas?
Filosofia da Arte
Haverá propriedades comuns a todas as obras de arte e que só nelas existam?
Um objeto torna-se arte se for exposto numa galeria?

Metafísica

Estuda questões relacionadas com a natureza da realidade
Por que razões existem coisas em vez do nada?
O que é existir? O que é que existe?
O que é o espaço e o tempo?

Epistemologia

Estuda questões relacionadas com a natureza e possibilidade do conhecimento
O que é o conhecimento?
Podemos confiar na informação dos sentidos?
Como podemos ter a certeza de que conhecemos algo?
Que tipos de conhecimento há?

Filosofia da Religião

Discute conceitos da religião e as justificações para as crenças religiosas

Que razões poderemos ter para acreditar na existência de Deus?
Qual a natureza de Deus?
Se Deus é perfeito, por que razão permite o mal?



     O caráter inevitável da filosofia


O que Aristóteles tinha em mente é que para argumentar que não temos de filosofar, temos de usar um argumento qualquer. Mas que tipo de argumento será? Quando pensamos nisso, vemos que não há argumentos biológicos, físicos, matemáticos ou históricos contra a filosofia. Qualquer argumento contra a filosofia teria de ser filosófico. Portanto, para rejeitar a filosofia temos de filosofar. O que demonstra que a filosofia é inevitável. Argumentar contra a filosofia é como gritar "Não estou a gritar!"

Não há maneiras não contraditórias de argumentar contra a filosofia porque a filosofia é o estudo cuidadoso das nossas ideias mais básicas. Mesmo quem pensa que a filosofia é uma palermice tem ideias filosóficas sobre a natureza do conhecimento (epistemologia) ou da realidade (metafísica). Filosofar é avaliar cuidadosamente essas ideias, em vez de as aceitarmos como se fossem as únicas alternativas viáveis. Assim, a opção não é entre ter ou não ter ideias filosóficas. É tão impossível viver sem ter ideias filosóficas como é impossível viver sem ideias físicas. A opção é entre tê-las, estudando-as cuidadosamente, ou ter a ilusão de que não as temos, só porque não nos demos ao incómodo de as estudar.

                                                      Desidério Murcho, in Púbico (2008)



    Como aprendemos filosofia?


Como aprendemos filosofia? Uma pergunta melhor é a seguinte: como poderemos adquirir destreza de pensamento? O pensamento em questão implica ter atenção a estruturas básicas do pensamento. Isto pode ser bem ou mal feito, de forma inteligente ou inepta. Mas ser capaz de o fazer bem não é, em primeiro lugar, adquirir um corpo de conhecimentos. É mais como saber tocar piano.
É tanto um «saber fazer» quanto um «saber que». A personagem filosófica mais famosa do mundo clássico, o Sócrates dos diálogos de Platão, não tinha orgulho na quantidade de coisas que sabia. Pelo contrário, tinha orgulho em ser o único a saber quão pouco sabia (uma vez mais, a reflexão). O que ele fazia bem (...) era expor os pontos fracos das pretensões das outras pessoas ao conhecimento. Processar bem os pensamentos é uma questão de ser capaz de evitar confusões , detetar ambiguidades, pensar numa coisa de cada vez, apresentar argumentos de confiança, ter consciência das alternativas, etc.

Resumindo: as nossas ideias e conceitos podem ser comparados com lentes através das quais vemos o mundo. Em filosofia, são as próprias lentes que constituem o tema de estudo. Seremos bem ou malsucedidos não em função da quantidade de coisas que sabemos no fim do estudo, mas em função do que podemos fazer quando as coisas se tornam difíceis: quando a maré dos argumentos sobe e gera confusão. Ser bem-sucedido quer dizer levar a sério o que as ideias implicam.”

                                               Simon Blackburn, Pense: Uma Introdução à Filosofia

Aprender filosofia ou aprender a filosofar? - aqui

O valor da filosofia - aqui

O sono da razão produz monstros - aqui

Razões para estudar filosofia - aqui

     
   A filosofia como atividade crítica


(…) A filosofia é o que acontece quando se começa a pensar pela própria cabeça.

Pode-se acrescentar um pouco mais. Assim que nos libertamos dos hábitos das crenças recebidas, as que por acaso se adquiriu mesmo acerca de questões básicas, e começamos realmente a pensar acerca daquilo em que devemos acreditar, à luz da razão (argumentos) e indícios, começámos a fazer filosofia.

A "tradição" de se apoiar antes em "autoridades" e "textos sagrados" é o estado normal das coisas e não a exceção na história — para muitos é ainda a maneira natural de viver. Além disso, pensar por si próprio não é algo que se leve a cabo facilmente por mero capricho, mas antes algo que é preciso reforçar como a um músculo, através de bons hábitos mentais. A filosofia é um modo de vida, que se constrói ao longo dos anos; o pensamento filosófico é um estado de espírito que se torna parte da própria natureza de uma pessoa.

(…) Longe de ser desnecessária, a filosofia é inevitável a partir do momento em que as pessoas deixam de tomar por adquirido as crenças que receberam e, ao invés, começam a pensar nelas com cuidado, autonomamente. A glória da filosofia — e seguramente um dos aspetos imediatamente interessantes para os que se sentem atraídos por ela — é nada estar interdito, nem mesmo o valor da razão, ou, na verdade (embora isto possa parecer paradoxal), o próprio estatuto da filosofia. Não há restrições. Só algo como argumentação e a discussão sem limites parece constante. É uma liberdade maravilhosa. Ou somos escravos das crenças que por acaso adquirimos através das circunstâncias contingentes da maneira como fomos educados e do lugar em que o fomos, ou somos até certo ponto filósofos. A filosofia é o bastião do pensamento livre e da exploração de ideias, acima de tudo.

A filosofia por vezes trata a questão da maneira como devemos viver. Pode-se argumentar que a própria adoção de uma atitude filosófica é exatamente o modo como se deve viver — tudo o resto é submissão crédula. Claro que se trata de uma questão de grau, mas na maioria dos casos é um bilhete de ida para a liberdade de pensamento: depois de o experimentar ninguém quer regressar à escravidão novamente.

                                                                  John Shand, O que é a Filosofia? in Crítica

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