domingo, 3 de maio de 2015

Razões morais para incrementar



A incapacidade é uma condição em que há dano para a pessoa, que pode ser de natureza física ou mental. Uma incapacidade é uma desvantagem. Mas, como se poderia pensar, não é uma desvantagem em relação às condições do ser humano típico — é antes uma desvantagem em relação a qualquer alternativa relevante.
Esta é assim uma noção lata, e não estrita, de incapacidade. Segundo esta noção, as condições típicas da nossa espécie podem converter-se em incapacidades. Isso sucede, por exemplo, quando há mudanças relevantes nos fatores ambientais ou se descobre a causa de uma doença. O dano impede as pessoas de terem experiências valiosas, reduz as suas oportunidades, implica riscos ou prejudica a qualidade do que fazem. As suas causas são diversas: médicas, cognitivas, genéticas, ambientais ou sociais. É por isso errada uma concepção social de incapacidade. Mesmo a sociedade mais inclusiva e livre de preconceitos que se possa imaginar não remove muitas características que geram incapacidade.
De uma noção lata de incapacidade segue-se uma noção igualmente lata de dano. Há dano quando o bem-estar individual é significativamente afectado. Isso sucede sempre que há um entrave dos interesses e preferências por certos estados de coisas agradáveis. Um deficiente motor sofre dano se vive numa cidade sem rampas de acesso a passeios ou edifícios. O seu interesse em circular com autonomia fica sujeito a um entrave que afecta significativamente o seu bem-estar. Uma mulher sofre também dano pelo simples facto de nascer em países que entravam o seu interesse em educar-se ou participar na vida pública. Se certas condições causam dano, há razões morais para as impedir ou reduzir os seus efeitos negativos. É isso o que determina o princípio moral da beneficência. Mas dessas razões morais, como é óbvio, não se segue a escolha de uma estratégia ou método que promova a redução do dano. Essa é uma escolha que pode depender de uma análise cuidadosa da relação custo-benefício, da força das razões morais naquele contexto particular, ou do grau de dano. Este último factor, por exemplo, pesa frequentemente, e é razoável que assim seja: a força da obrigação moral depende do grau de incapacidade. Num caso em que é provável apenas uma incapacidade ligeira, poderá não haver qualquer obrigação moral de impedir o dano ou de reduzir os seus efeitos.

2.2. O argumento do continuum dano-benefício

Muitas pessoas rejeitam o incremento; ou, se não rejeitam, têm sobre ele muitas dúvidas. E têm igualmente a intuição de que há razões morais para impedir danos gerados por incapacidades dos filhos. Mas, se têm esta intuição, não terão também de reconhecer que há razões morais para incrementar? Ora, aceitar que se deve impedir o dano e rejeitar que se deve promover o incremento, é negar que há um continuumentre danos e benefícios. Reconhece-se amplamente, porém, que há razões morais para melhorar as condições em que os outros se encontram, seja no caso em que geram incapacidades ou não. Isto não implica simplesmente que há razões para não causar dano e, sempre que isso é possível, razões para promover benefícios; implica também que essas razões são contínuas. Logo, não há, por um lado, razões para impedir o dano e, por outro, razões para promover o incremento. Estas são antes razões morais para melhorar as condições em que os outros se encontram

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    Faustino Vaz, "Será moralmente permissível tornar os bebés mais inteligentes?" in Crítica

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