A incapacidade é uma condição em que há dano para a
pessoa, que pode ser de natureza física ou mental. Uma incapacidade é uma
desvantagem. Mas, como se poderia pensar, não é uma desvantagem em relação às
condições do ser humano típico — é antes uma desvantagem em relação a qualquer
alternativa relevante.
Esta é assim uma noção lata, e não
estrita, de incapacidade. Segundo esta noção, as condições típicas da nossa
espécie podem converter-se em incapacidades. Isso sucede, por exemplo, quando
há mudanças relevantes nos fatores ambientais ou se descobre a causa de uma
doença. O dano impede as pessoas de terem experiências valiosas, reduz as suas
oportunidades, implica riscos ou prejudica a qualidade do que fazem. As suas
causas são diversas: médicas, cognitivas, genéticas, ambientais ou sociais. É
por isso errada uma concepção social de incapacidade. Mesmo a sociedade mais
inclusiva e livre de preconceitos que se possa imaginar não remove muitas
características que geram incapacidade.
De uma noção lata de incapacidade
segue-se uma noção igualmente lata de dano. Há dano quando o bem-estar
individual é significativamente afectado. Isso sucede sempre que há um entrave
dos interesses e preferências por certos estados de coisas agradáveis. Um
deficiente motor sofre dano se vive numa cidade sem rampas de acesso a passeios
ou edifícios. O seu interesse em circular com autonomia fica sujeito a um
entrave que afecta significativamente o seu bem-estar. Uma mulher sofre também
dano pelo simples facto de nascer em países que entravam o seu interesse em
educar-se ou participar na vida pública. Se certas condições causam dano, há
razões morais para as impedir ou reduzir os seus efeitos negativos. É isso o
que determina o princípio moral da beneficência. Mas dessas razões morais, como
é óbvio, não se segue a escolha de uma estratégia ou método que promova a
redução do dano. Essa é uma escolha que pode depender de uma análise cuidadosa
da relação custo-benefício, da força das razões morais naquele contexto
particular, ou do grau de dano. Este último factor, por exemplo, pesa
frequentemente, e é razoável que assim seja: a força da obrigação moral depende
do grau de incapacidade. Num caso em que é provável apenas uma incapacidade
ligeira, poderá não haver qualquer obrigação moral de impedir o dano ou de
reduzir os seus efeitos.
2.2. O argumento do continuum dano-benefício
Muitas pessoas rejeitam o
incremento; ou, se não rejeitam, têm sobre ele muitas dúvidas. E têm igualmente
a intuição de que há razões morais para impedir danos gerados por incapacidades
dos filhos. Mas, se têm esta intuição, não terão também de reconhecer que há
razões morais para incrementar? Ora, aceitar que se deve impedir o dano e
rejeitar que se deve promover o incremento, é negar que há um continuumentre
danos e benefícios. Reconhece-se amplamente, porém, que há razões morais para
melhorar as condições em que os outros se encontram, seja no caso em que geram
incapacidades ou não. Isto não implica simplesmente que há razões para não
causar dano e, sempre que isso é possível, razões para promover benefícios;
implica também que essas razões são contínuas. Logo, não há, por um lado,
razões para impedir o dano e, por outro, razões para promover o incremento.
Estas são antes razões morais para melhorar as condições em que os outros se
encontram
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Faustino Vaz, "Será moralmente permissível tornar os bebés mais inteligentes?" in Crítica
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